TEORIA E METODOLOGIA DA HISTÓRIA:
FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS E PERSPECTIVAS
CONTEMPORÂNEAS
Um panorama crítico das principais correntes
teórico-metodológicas da historiografia
Por Erik Chiconelli Gomes
RESUMO
Este artigo apresenta uma análise sistemática dos principais fundamentos
teóricos e metodológicos da disciplina histórica, abrangendo desde a
constituição do campo no século XIX até os debates contemporâneos sobre
história digital. O texto examina onze dimensões fundamentais do conhecimento
histórico: a epistemologia da história e suas relações entre objeto, fontes e
escrita; o historicismo e a institucionalização acadêmica da disciplina; a
renovação historiográfica promovida pela Escola dos Annales; as contribuições
do marxismo para a história social; as tensões entre história e estruturalismo;
a tradição hermenêutica e seus desenvolvimentos no século XX; a formação da
historiografia brasileira; as questões de periodização e temporalidade; os
debates sobre pós-modernidade e conhecimento histórico; as relações entre
história, memória e patrimônio; e, finalmente, as transformações introduzidas
pela história digital. A análise fundamenta-se exclusivamente em referências
bibliográficas verificáveis, buscando oferecer panorama crítico das correntes
que conformaram e continuam a transformar o ofício do historiador.
Palavras-chave: Teoria da História; Metodologia
Histórica; Historiografia; Epistemologia; História Digital.
INTRODUÇÃO
A reflexão sobre os fundamentos teóricos e metodológicos da História
constitui dimensão indispensável da formação e da prática do historiador
contemporâneo. Longe de representar especulação abstrata apartada do trabalho
empírico, a teoria da história oferece os instrumentos conceituais necessários
para interrogar adequadamente as fontes, construir interpretações fundamentadas
e compreender o lugar do conhecimento histórico no conjunto das ciências
humanas. Como observou Marc Bloch em sua obra póstuma, a história é "a
ciência dos homens no tempo", definição que articula precisamente a
pretensão científica da disciplina com sua especificidade temporal e humana
(BLOCH, 2001, p. 55).
Este artigo propõe-se a examinar sistematicamente as principais correntes
teórico-metodológicas que conformaram a disciplina histórica desde sua
institucionalização acadêmica no século XIX até os debates mais recentes sobre
história digital e novas tecnologias de pesquisa. A exposição organiza-se em
torno de onze eixos temáticos que correspondem às dimensões fundamentais do
conhecimento histórico: a relação entre metodologia, teoria e prática
historiográfica; o historicismo e a formação do campo disciplinar; a renovação
dos Annales; as contribuições marxistas; o diálogo com o estruturalismo; a
tradição hermenêutica; a historiografia brasileira; as questões de periodização
e temporalidade; os debates pós-modernos; as relações entre história, memória e
patrimônio; e as transformações digitais contemporâneas.
A análise fundamenta-se exclusivamente em referências bibliográficas
reais e verificáveis, priorizando obras seminais e autores consagrados em cada
campo temático. O objetivo não é oferecer síntese exaustiva, impossível nos
limites de um artigo, mas apresentar panorama crítico que permita ao leitor
situar-se nos debates fundamentais e aprofundar-se nas tradições de seu
interesse. A exposição busca articular rigor analítico com clareza expositiva,
reconhecendo que a reflexão teórico-metodológica não deve permanecer restrita
aos especialistas, mas informar a prática de todos os historiadores e
interessar ao público mais amplo comprometido com a compreensão crítica do
passado.
1. A METODOLOGIA E A
TEORIA DA HISTÓRIA: OBJETO, FONTES E ESCRITA NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
HISTÓRICO
A reflexão sobre a natureza do conhecimento histórico constitui um dos
pilares fundamentais da disciplina historiográfica desde sua
institucionalização acadêmica no século XIX. Compreender as relações entre
metodologia e teoria implica reconhecer que a História não se resume à mera
acumulação de fatos pretéritos, mas envolve complexas operações intelectuais de
seleção, interpretação e narrativização do passado. Conforme argumentou Marc
Bloch em sua obra póstuma "Apologie pour l'histoire ou Métier
d'historien", publicada em 1949, a História é "a ciência dos homens
no tempo", definição que sublinha tanto seu caráter científico quanto sua
dimensão humana e temporal (BLOCH, 2001, p. 55). Esta formulação clássica
permanece como ponto de partida para compreender as especificidades
epistemológicas do ofício do historiador.
O objeto da História constitui questão central no debate
teórico-metodológico. Diferentemente das ciências naturais, cujos objetos podem
ser observados diretamente e submetidos a experimentação, o historiador
trabalha com um objeto ausente, o passado, que só pode ser acessado mediante
vestígios e mediações. Como salientou Paul Veyne em "Comment on écrit
l'histoire", de 1971, a História é conhecimento por vestígios, uma
"mutilação" que impede o acesso direto ao passado tal como ele foi
(VEYNE, 1998, p. 18-19). Esta condição ontológica do objeto histórico impõe
limites e possibilidades específicos ao trabalho historiográfico,
distinguindo-o fundamentalmente de outras formas de conhecimento.
As fontes históricas constituem a matéria-prima do trabalho do
historiador, os vestígios através dos quais o passado pode ser parcialmente
recuperado. A tradicional distinção entre fontes primárias e secundárias,
estabelecida desde a consolidação do método crítico no século XIX, foi
progressivamente complexificada pela ampliação do conceito de documento
histórico. A Escola dos Annales desempenhou papel decisivo nessa transformação,
ao defender que "tudo é fonte para o historiador", desde registros
oficiais até objetos da cultura material, iconografia e tradições orais (LE
GOFF, 1990, p. 28). Lucien Febvre, em "Combats pour l'histoire", de
1953, criticou duramente a identificação entre documento e texto escrito,
propugnando uma história baseada em todos os vestígios da atividade humana
(FEBVRE, 1985, p. 249).
A crítica documental permanece como procedimento metodológico
fundamental, mesmo após as transformações epistemológicas do século XX. Os
princípios da crítica externa (autenticidade) e interna (credibilidade),
sistematizados pelos historiadores metódicos alemães e franceses do Oitocentos,
não foram abandonados, mas incorporados a procedimentos analíticos mais
sofisticados. Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos, em
"Introduction aux études historiques", de 1898, estabeleceram
procedimentos rigorosos de crítica documental que, apesar das críticas
posteriores, constituem fundamento metodológico ainda válido para a verificação
da autenticidade e interpretação dos documentos (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p.
67-89).
A questão da escrita da história recebeu atenção renovada a partir da
chamada "virada linguística" nas ciências humanas. Hayden White, em
"Metahistory: The Historical Imagination in Nineteenth-Century
Europe", de 1973, argumentou que os textos historiográficos são
construções narrativas que empregam estratégias retóricas e tropos linguísticos
análogos aos da literatura de ficção (WHITE, 1992, p. 11-12). Esta tese
provocativa gerou intensos debates sobre as relações entre história e ficção,
narrativa e verdade, problematizando a pretensão de objetividade do discurso
historiográfico sem, contudo, equipará-lo completamente à ficção literária.
A resposta de historiadores como Carlo Ginzburg às teses de White
evidencia a complexidade do debate contemporâneo sobre a escrita da história.
Em "Il giudice e lo storico", de 1991, Ginzburg defende a
especificidade do conhecimento histórico frente às pretensões relativistas,
argumentando que o historiador, assim como o juiz, trabalha com provas e
indícios que permitem distinguir entre interpretações mais ou menos adequadas
ao que efetivamente ocorreu (GINZBURG, 2002, p. 44-45). O paradigma indiciário,
desenvolvido pelo mesmo autor em "Miti, emblemi, spie", de 1986,
oferece uma epistemologia alternativa baseada na atenção aos detalhes
reveladores e às anomalias documentais (GINZBURG, 1989, p. 143-179).
A teoria da história, enquanto reflexão sistemática sobre os pressupostos
e procedimentos do conhecimento histórico, distingue-se da filosofia da
história especulativa que caracterizou o pensamento oitocentista. Jörn Rüsen,
em "Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência
histórica", publicado originalmente em 1983, propõe uma "teoria da
história" como disciplina que investiga as condições de possibilidade do
pensamento histórico, diferenciando-a tanto da filosofia especulativa quanto da
mera reflexão metodológica (RÜSEN, 2001, p. 25-35). Esta abordagem reconhece a
historicidade do próprio conhecimento histórico, suas transformações e
condicionamentos socioculturais.
A relação entre teoria e prática historiográfica permanece como questão
problemática no campo disciplinar. Enquanto alguns historiadores defendem que a
teorização deve emergir do trabalho empírico concreto, outros argumentam pela
necessidade de reflexão teórica prévia que oriente a pesquisa. Antoine Prost,
em "Doze lições sobre a história", de 1996, sustenta uma posição
intermediária, reconhecendo que toda pesquisa histórica pressupõe escolhas
teóricas, implícitas ou explícitas, que condicionam desde a formulação das
questões até a interpretação das fontes (PROST, 2008, p. 63-79). Esta
perspectiva evidencia a impossibilidade de uma história puramente empírica,
desprovida de pressupostos teóricos.
O conceito de operação historiográfica, proposto por Michel de Certeau em
"L'écriture de l'histoire", de 1975, oferece um modelo analítico
integrador que articula as dimensões social, prática e textual do trabalho
histórico. Para Certeau, o texto historiográfico resulta de uma operação que
envolve um lugar social de produção, práticas científicas específicas e uma
escrita que constrói uma representação do passado (CERTEAU, 2011, p. 65-119).
Esta tríade permite compreender o conhecimento histórico como produto de
condições institucionais, procedimentos metodológicos e estratégias discursivas
articuladas.
A questão da objetividade histórica, central nos debates teóricos, foi
objeto de reavaliação nas últimas décadas. A crítica pós-moderna à pretensão de
verdade objetiva não resultou, para a maioria dos historiadores, em relativismo
absoluto, mas em uma concepção mais sofisticada de objetividade. Como argumenta
Chris Lorenz em diversos ensaios reunidos em "Konstruktion der
Vergangenheit", de 1997, é possível defender uma objetividade histórica
qualificada, que reconheça os condicionamentos sociais e linguísticos do
conhecimento sem abandonar critérios de validação empírica e lógica (LORENZ,
1998, p. 57-82). Esta posição permite manter o caráter científico da história
sem recair em positivismo ingênuo.
A produção do conhecimento histórico envolve necessariamente processos de
seleção e exclusão que devem ser explicitados e problematizados. O historiador
não apenas encontra fontes, mas as constrói através de perguntas que dirige ao
passado. Marc Bloch já advertia que "os textos ou os documentos
arqueológicos, mesmo os aparentemente mais claros e mais complacentes, não
falam senão quando sabemos interrogá-los" (BLOCH, 2001, p. 79). Esta
dimensão construtiva do conhecimento histórico não implica arbitrariedade, mas
reconhecimento de que toda historiografia é perspectivada, produzida a partir
de lugares sociais e epistêmicos específicos.
As transformações tecnológicas contemporâneas impõem novas reflexões
sobre metodologia e fontes históricas. A digitalização massiva de acervos
documentais, o surgimento de fontes nativas digitais e as ferramentas
computacionais de análise textual modificam substancialmente as condições de
produção do conhecimento histórico. Conforme discutido por diversos autores em
"History in the Digital Age", organizado por Toni Weller em 2013,
estas transformações não apenas ampliam o acesso às fontes, mas colocam
questões metodológicas inéditas sobre preservação, autenticidade e análise de
documentos digitais (WELLER, 2013, p. 1-20). A reflexão teórico-metodológica
deve, portanto, incorporar estas novas condições de possibilidade do trabalho
historiográfico.
Em síntese, a metodologia e a teoria da história constituem dimensões
indissociáveis da prática historiográfica, não como especulações abstratas
apartadas do trabalho empírico, mas como reflexão sistemática sobre as
condições, possibilidades e limites do conhecimento do passado. Como observou
Reinhart Koselleck em "Vergangene Zukunft: Zur Semantik geschichtlicher
Zeiten", de 1979, toda historiografia opera com categorias teóricas que
determinam o que pode ser percebido e narrado como histórico (KOSELLECK, 2006,
p. 97-118). A formação do historiador requer, portanto, tanto o domínio de
procedimentos metodológicos quanto a capacidade de reflexão teórica sobre os
fundamentos e implicações de seu ofício.
2. OS HISTORICISMOS E
A FORMAÇÃO DO CAMPO DISCIPLINAR DA HISTÓRIA NO SÉCULO XIX
O século XIX constitui período decisivo para a institucionalização da
História como disciplina acadêmica autônoma, processo intimamente vinculado ao
desenvolvimento do historicismo como corrente de pensamento. O termo
"historicismo" abarca, contudo, significados diversos e por vezes
contraditórios, exigindo precisão conceitual. Friedrich Meinecke, em "Die
Entstehung des Historismus", de 1936, identificou o historicismo como uma
das maiores revoluções do pensamento ocidental, consistindo no reconhecimento
da historicidade fundamental de todas as manifestações humanas e na
substituição de uma visão generalizante por uma compreensão individualizante
dos fenômenos históricos (MEINECKE, 1972, p. 1-15).
Leopold von Ranke emerge como figura central na constituição do campo
disciplinar da História, embora sua obra seja frequentemente simplificada pela
fórmula "wie es eigentlich gewesen" (como realmente aconteceu). Esta
expressão, presente no prefácio de "Geschichten der romanischen und
germanischen Völker von 1494 bis 1514", de 1824, não deve ser interpretada
como profissão de fé positivista, mas como afirmação da autonomia do
conhecimento histórico frente às filosofias especulativas da história (RANKE,
2010, p. 86). A obra de Ranke representa esforço sistemático de fundamentação
científica da história através da crítica documental rigorosa, especialmente de
fontes diplomáticas e narrativas.
A universidade alemã constituiu o principal espaço institucional de
consolidação da história científica no Oitocentos. O modelo do seminário
histórico, desenvolvido por Ranke em Berlim a partir de 1833, estabeleceu
padrões de formação profissional baseados na análise crítica de documentos
originais, na discussão coletiva e na produção de pesquisa original. Como
demonstrou Bonnie Smith em "The Gender of History", de 1998, este
modelo institucional implicou também processos de masculinização e profissionalização
que excluíram mulheres e amadores do campo disciplinar emergente (SMITH, 2003,
p. 103-129). A história tornava-se assim ofício especializado, com métodos
próprios e credenciais acadêmicas específicas.
Johann Gustav Droysen elaborou a primeira reflexão sistemática sobre
metodologia histórica em "Historik", conjunto de lições proferidas a
partir de 1857. Droysen distinguiu explicação (Erklären) e compreensão
(Verstehen), argumentando que as ciências do espírito, incluindo a história,
requerem procedimentos interpretativos distintos dos métodos das ciências
naturais (DROYSEN, 2009, p. 35-52). Esta distinção epistemológica,
posteriormente desenvolvida por Wilhelm Dilthey, fundamentou a especificidade
metodológica da história como ciência hermenêutica, dedicada à compreensão do
sentido das ações e criações humanas.
Wilhelm Dilthey aprofundou a fundamentação filosófica das ciências do
espírito em obras como "Einleitung in die Geisteswissenschaften", de
1883. Para Dilthey, a experiência vivida (Erlebnis) constitui a base do
conhecimento histórico, permitindo ao historiador compreender o passado através
de uma espécie de revivência empática (DILTHEY, 2010, p. 95-118). Esta
concepção, embora criticada posteriormente por seu psicologismo, estabeleceu
distinção fundamental entre a explicação causal das ciências naturais e a
compreensão interpretativa das humanidades, influenciando profundamente a
hermenêutica histórica posterior.
O historicismo desenvolveu-se também em direções conservadoras e
nacionalistas que merecem análise crítica. A concepção de individualidade
histórica das nações serviu frequentemente para legitimar projetos políticos de
unificação nacional e expansão imperialista. Georg Iggers, em "The German
Conception of History", de 1968, demonstrou como o historicismo alemão
tendeu a absolutizar o Estado nacional como manifestação suprema do espírito de
um povo, contribuindo para tradições políticas antidemocráticas (IGGERS, 1983,
p. 124-173). Esta dimensão política do historicismo revela como a constituição
disciplinar da história não foi processo neutro, mas atravessado por interesses
e ideologias específicos.
A escola metódica francesa representa variante importante do movimento de
cientificização da história no século XIX. Gabriel Monod, no artigo programático
publicado no primeiro número da Revue Historique em 1876, defendeu uma história
científica baseada na análise crítica de documentos, distinguindo-se tanto da
historiografia romântica quanto das especulações filosóficas (MONOD, 1876, p.
1-29). A "Introduction aux études historiques", de Langlois e
Seignobos, publicada em 1898, sistematizou os procedimentos do método crítico,
tornando-se manual de referência para formação de historiadores em diversos
países (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p. 13-45).
A crítica ao historicismo emergiu ainda no próprio século XIX, assumindo
formas diversas. Friedrich Nietzsche, em "Vom Nutzen und Nachteil der
Historie für das Leben", de 1874, questionou os excessos do conhecimento
histórico e sua tendência a paralisar a ação ao submergir o presente sob o peso
do passado (NIETZSCHE, 2003, p. 7-75). Esta crítica, embora não tenha impedido
o desenvolvimento do historicismo acadêmico, antecipou debates posteriores
sobre as relações entre história e vida, conhecimento e ação, que seriam
retomados no século XX.
O historicismo exerceu influência decisiva sobre outras disciplinas das
ciências humanas em formação. A economia histórica alemã, representada por
autores como Gustav Schmoller e a "escola histórica", rejeitou o
universalismo da economia clássica em favor de análises historicamente situadas
das instituições econômicas. Similarmente, a sociologia nascente de Max Weber
manteve diálogo intenso com a tradição historicista, incorporando a compreensão
interpretativa (Verstehen) em sua metodologia, como evidenciado em
"Wirtschaft und Gesellschaft", publicado postumamente em 1922 (WEBER,
2004, p. 3-35). O historicismo constituiu assim matriz epistemológica mais
ampla das ciências humanas modernas.
A crise do historicismo, diagnosticada por Ernst Troeltsch em "Der
Historismus und seine Probleme", de 1922, revelou as tensões internas
desta tradição de pensamento. O reconhecimento da relatividade histórica de
todos os valores e instituições conduzia logicamente ao relativismo, minando as
próprias bases normativas sobre as quais se assentava o conhecimento histórico
(TROELTSCH, 1922, p. 3-29). Esta crise epistemológica antecipou debates
posteriores sobre objetividade e perspectivismo que atravessariam todo o século
XX.
A institucionalização da história como disciplina acadêmica envolveu
também a constituição de infraestrutura específica, incluindo arquivos,
bibliotecas, revistas especializadas e associações profissionais. A fundação de
periódicos como a Historische Zeitschrift (1859), a Revue Historique (1876) e a
English Historical Review (1886) criou espaços de comunicação científica e
avaliação por pares essenciais para a consolidação do campo disciplinar. Como
analisou Peter Burke em "Uma história social do conhecimento", de
2003, estas instituições constituíram condições materiais indispensáveis para a
produção e circulação do conhecimento histórico profissionalizado (BURKE, 2003,
p. 79-102).
O legado do historicismo oitocentista permanece objeto de avaliações
divergentes. Por um lado, a crítica marxista e a escola dos Annales denunciaram
o elitismo político do historicismo, sua concentração na história dos Estados e
grandes homens em detrimento das massas populares e estruturas socioeconômicas.
Por outro lado, pensadores como Hans-Georg Gadamer e Paul Ricoeur recuperaram
elementos da tradição hermenêutica para fundamentar epistemologias históricas
contemporâneas. Gadamer, em "Wahrheit und Methode", de 1960,
reabilitou a noção de tradição e consciência histórica contra o objetivismo
metodológico, argumentando que a compreensão histórica pressupõe inserção
prévia em horizontes de sentido historicamente constituídos (GADAMER, 1997, p.
354-385).
Em perspectiva historiográfica, o historicismo do século XIX deve ser
compreendido como momento decisivo de constituição do campo disciplinar da
história, com suas instituições, métodos e pressupostos epistemológicos
específicos. As críticas posteriores, desde os Annales até a "virada
linguística", não aboliram completamente esta herança, mas a reelaboraram e
complexificaram. Como observou François Dosse em "A história", de
2012, compreender o historicismo é condição necessária para situar
historicamente a própria disciplina histórica, reconhecendo tanto suas
conquistas quanto seus limites e pontos cegos (DOSSE, 2012, p. 15-47). A
formação do historiador contemporâneo requer assim conhecimento crítico desta
tradição fundadora.
3. A ESCOLA DOS
ANNALES E O DIÁLOGO INTERDISCIPLINAR
A Escola dos Annales constitui um dos movimentos historiográficos mais
influentes do século XX, responsável por transformações profundas na concepção
e prática da disciplina histórica. Fundada em 1929 com a criação da revista
Annales d'histoire économique et sociale por Marc Bloch e Lucien Febvre, esta
corrente caracterizou-se pela crítica à história política tradicional, pela
abertura ao diálogo com as ciências sociais e pela ampliação temática e
metodológica da pesquisa histórica. Peter Burke, em "A Escola dos Annales
(1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia", de 1990, oferece
panorama abrangente das três gerações do movimento, identificando continuidades
e rupturas em seu desenvolvimento (BURKE, 1991, p. 11-26).
O contexto de surgimento dos Annales vincula-se à crise das formas
tradicionais de fazer história e às transformações das ciências sociais nas
primeiras décadas do século XX. A sociologia durkheimiana, a geografia
vidaliana e a economia em transformação ofereciam modelos teóricos e
metodológicos que desafiavam o predomínio da história política événementielle.
François Simiand, em artigo de 1903 intitulado "Méthode historique et
science sociale", criticou os três "ídolos" da história
tradicional, o político, o individual e o cronológico, propugnando uma história
científica orientada para regularidades e estruturas sociais (SIMIAND, 1903, p.
1-22). Esta crítica ecoou fortemente nos fundadores dos Annales.
Marc Bloch representa síntese notável de erudição histórica e abertura
metodológica. Sua obra "Les rois thaumaturges", de 1924, inaugurou a
história das mentalidades ao investigar as crenças no poder curativo dos reis
franceses e ingleses, mobilizando antropologia, psicologia coletiva e história
comparada (BLOCH, 1993, p. 41-95). Em "La société féodale", de
1939-1940, Bloch aplicou o método comparativo em escala europeia para analisar
as estruturas sociais medievais, demonstrando a fecundidade do diálogo entre
história e sociologia (BLOCH, 1987, p. 13-29). Seu legado metodológico,
expresso em "Apologie pour l'histoire", permanece referência
fundamental para a formação de historiadores.
Lucien Febvre complementou a renovação historiográfica com obras que
exploravam a história cultural e das mentalidades. "Le problème de
l'incroyance au XVIe siècle: la religion de Rabelais", de 1942, constitui
estudo exemplar das condições de possibilidade do pensamento em determinada
época, introduzindo o conceito de "outillage mental" para designar o
equipamento intelectual disponível aos homens de cada período (FEBVRE, 1988, p.
423-467). Esta abordagem influenciou decisivamente os estudos posteriores sobre
mentalidades e representações coletivas.
A segunda geração dos Annales, liderada por Fernand Braudel, aprofundou o
diálogo com as ciências sociais e introduziu inovações teóricas fundamentais.
"La Méditerranée et le monde méditerranéen à l'époque de Philippe
II", publicado originalmente em 1949, revolucionou a escrita da história
ao propor uma análise em três temporalidades distintas: a longa duração das
estruturas geográficas e ecológicas, a média duração das conjunturas econômicas
e sociais, e o tempo curto dos acontecimentos políticos (BRAUDEL, 1983, p.
25-36). Esta concepção pluritemporal da história exerceu influência duradoura
sobre a historiografia.
O conceito de longa duração, teorizado por Braudel em artigo homônimo de
1958, constituiu contribuição decisiva para o diálogo entre história e ciências
sociais. Braudel argumentou que a história deveria privilegiar as estruturas de
longa duração, as "prisões de longa duração" que condicionam a vida
das sociedades, em vez dos acontecimentos efêmeros que ocupavam a história
tradicional (BRAUDEL, 1990, p. 41-78). Este conceito permitiu aproximação com a
economia, a geografia e a antropologia estrutural, ao mesmo tempo em que foi
criticado por relativizar excessivamente a agência humana e os eventos
políticos.
A história serial e quantitativa constituiu desenvolvimento metodológico
importante da segunda geração dos Annales. Ernest Labrousse, embora não
formalmente vinculado à revista, exerceu influência decisiva ao demonstrar a
possibilidade de aplicação de métodos quantitativos à história econômica em
"La crise de l'économie française à la fin de l'Ancien Régime et au début
de la Révolution", de 1944 (LABROUSSE, 1944, p. 1-45). Esta abordagem foi
amplamente adotada pelos historiadores dos Annales, gerando estudos sobre
preços, salários, demografias e ciclos econômicos que transformaram o
conhecimento histórico sobre a época moderna.
A terceira geração dos Annales, emergente a partir dos anos 1970,
caracterizou-se pela fragmentação temática e pelo retorno a dimensões
anteriormente negligenciadas como a política, a narrativa e os eventos. Jacques
Le Goff, em obras como "Pour un autre Moyen Âge", de 1977,
desenvolveu a história das mentalidades em direção a uma "antropologia
histórica" que investigava as categorias mentais e sistemas simbólicos das
sociedades passadas (LE GOFF, 1980, p. 7-13). Emmanuel Le Roy Ladurie, em
"Montaillou, village occitan de 1294 à 1324", de 1975, demonstrou a
fecundidade da micro-história e da análise antropológica aplicadas a
comunidades específicas (LE ROY LADURIE, 1997, p. 15-35).
O diálogo com a antropologia intensificou-se a partir dos anos 1970,
especialmente através da influência de Claude Lévi-Strauss e Clifford Geertz. A
história das mentalidades transformou-se progressivamente em história cultural,
incorporando conceitos como representação, prática e apropriação. Roger
Chartier, em "A história cultural: entre práticas e representações",
de 1988, criticou a noção de mentalidade coletiva e propôs abordagem mais atenta
às diferenciações sociais e aos usos diferenciados das produções culturais
(CHARTIER, 1990, p. 13-28). Esta inflexão marcou deslocamento em direção à
história cultural como a praticam as gerações mais recentes.
A interdisciplinaridade constitui marca distintiva dos Annales, embora
suas formas concretas tenham variado ao longo do tempo. Inicialmente, o diálogo
privilegiou a geografia, a economia e a sociologia; posteriormente, incorporou
a demografia histórica, a linguística e a antropologia; mais recentemente,
aproximou-se da teoria literária, da psicanálise e dos estudos culturais. Como
observou André Burguière em "L'École des Annales: une histoire
intellectuelle", de 2006, esta plasticidade disciplinar permitiu aos
Annales manterem-se como polo de inovação historiográfica por décadas,
adaptando-se às transformações do campo intelectual (BURGUIÈRE, 2006, p.
345-378).
As críticas à escola dos Annales provêm de perspectivas diversas.
Historiadores marxistas como Guy Bois criticaram a negligência das relações de
classe e dos conflitos sociais em favor de estruturas mentais desencarnadas. A
crítica feminista denunciou a invisibilização das mulheres na história das
mentalidades pretensamente coletivas. Mais recentemente, a "virada
linguística" questionou os pressupostos realistas da história social
praticada pelos Annales, problematizando as relações entre discurso e realidade
social. Como argumentou Gareth Stedman Jones em "Languages of Class",
de 1983, as categorias sociais são construídas linguisticamente, não podendo
ser tratadas como reflexo direto de posições estruturais (STEDMAN JONES, 1983,
p. 1-24).
O impacto internacional dos Annales foi particularmente significativo na
América Latina, onde influenciou a formação de tradições historiográficas
nacionais. No Brasil, a recepção dos Annales processou-se através de autores
como Fernand Braudel, que lecionou na USP entre 1935 e 1937, e posteriormente
através da formação de historiadores brasileiros em Paris. Como demonstrou
Carlos Guilherme Mota em "Ideologia da cultura brasileira", de 1977,
esta influência combinou-se com outras tradições, incluindo o marxismo, na
formação da historiografia brasileira contemporânea (MOTA, 2008, p. 187-234).
Em balanço crítico, a contribuição dos Annales para a renovação da
historiografia no século XX permanece incontestável, mesmo considerando suas
limitações e críticas procedentes. A ampliação temática para além da política
tradicional, o diálogo com as ciências sociais, a atenção às estruturas de
longa duração e às mentalidades coletivas transformaram irreversivelmente a
disciplina histórica. Como observou François Dosse em "A história em
migalhas", de 1987, a fragmentação posterior dos Annales reflete menos
esgotamento do programa original que sua difusão generalizada, tornando
problemática a própria noção de escola ou corrente unificada (DOSSE, 1992, p.
185-207). O legado dos Annales permanece vivo na historiografia contemporânea,
ainda que de forma difusa e combinada com outras tradições.
4. HISTÓRIA E
MARXISMOS
A relação entre história e marxismo constitui um dos capítulos mais
importantes e controversos da historiografia do século XX. O materialismo
histórico, tal como formulado por Karl Marx e Friedrich Engels, ofereceu tanto
uma teoria da história quanto um programa de pesquisa que influenciou
profundamente a disciplina. Em "Die deutsche Ideologie", escrito em
1845-1846 mas publicado apenas em 1932, Marx e Engels estabeleceram os
fundamentos do materialismo histórico, argumentando que "não é a
consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência"
(MARX; ENGELS, 2007, p. 94). Esta inversão da relação entre ser social e
consciência constituiu ponto de partida para uma historiografia atenta às bases
materiais da vida social.
O prefácio de "Zur Kritik der politischen Ökonomie", de 1859,
oferece formulação clássica do modelo base-superestrutura que orientou grande
parte da historiografia marxista. Marx argumentou que "o modo de produção
da vida material condiciona o processo de vida social, político e
intelectual", distinguindo entre as forças produtivas, as relações de
produção e as formas ideológicas através das quais os homens tomam consciência
dos conflitos sociais (MARX, 2008, p. 47-48). Esta formulação foi objeto de
interpretações diversas, desde versões economicistas que reduziam a história às
determinações econômicas até leituras mais flexíveis que reconheciam a
autonomia relativa das superestruturas.
A historiografia marxista desenvolveu-se em múltiplas direções ao longo
do século XX, sendo problemático falar em uma única tradição. Georg Lukács, em
"Geschichte und Klassenbewusstsein", de 1923, elaborou concepção
dialética da história centrada no conceito de totalidade e na consciência de
classe do proletariado como ponto de vista privilegiado para compreender a
sociedade capitalista (LUKÁCS, 2003, p. 95-139). Esta obra, posteriormente
renegada pelo próprio autor sob pressão do stalinismo, exerceu influência
duradoura sobre o marxismo ocidental e suas concepções de história e
subjetividade.
Antonio Gramsci desenvolveu, nos "Quaderni del carcere",
escritos entre 1929 e 1935, conceitos fundamentais para uma historiografia
marxista renovada. A noção de hegemonia permitiu compreender a dominação de
classe não apenas como coerção, mas como construção de consenso através de
instituições da sociedade civil, incluindo a cultura, a educação e a religião
(GRAMSCI, 2000, p. 19-28). O conceito de bloco histórico articulou estrutura e
superestrutura em uma unidade dialética, superando as dicotomias do marxismo
vulgar. Estas formulações influenciaram profundamente os estudos culturais e a
história social posterior.
A escola marxista britânica constitui uma das mais importantes tradições
de historiografia marxista, caracterizada pela atenção à experiência e à
agência dos sujeitos históricos. Eric Hobsbawm, em obras como "The Age of
Revolution" (1962), "The Age of Capital" (1975), "The Age
of Empire" (1987) e "The Age of Extremes" (1994), ofereceu
síntese magistral da história mundial dos séculos XIX e XX a partir de
perspectiva marxista (HOBSBAWM, 1977, 1996, 2003, 1995). Sua capacidade de
articular análise estrutural com narrativa acessível tornou-o um dos
historiadores mais lidos do século XX.
Edward Palmer Thompson representa talvez a mais influente contribuição da
historiografia marxista britânica. "The Making of the English Working
Class", de 1963, revolucionou a história social ao demonstrar que a classe
operária não foi produto automático de transformações econômicas, mas se
constituiu ativamente através de experiências compartilhadas, tradições
culturais e lutas políticas (THOMPSON, 1987, p. 9-14). A famosa afirmação de
que a classe é uma relação histórica, não uma categoria estática, reorientou os
estudos sobre formação de classes em diversos contextos nacionais.
O conceito de "história vista de baixo" (history from below),
associado a Thompson e outros historiadores marxistas britânicos, propôs
deslocamento do foco historiográfico das elites para as classes populares. Em
artigo de 1966, Thompson argumentou pela necessidade de recuperar a experiência
e a agência dos "de baixo", não como vítimas passivas de processos estruturais,
mas como sujeitos ativos de sua própria história (THOMPSON, 2001, p. 185-201).
Esta perspectiva influenciou profundamente a história social e a micro-história
posteriores, mesmo entre historiadores não marxistas.
A historiografia marxista francesa desenvolveu-se em diálogo tenso com a
escola dos Annales. Albert Soboul, em "Les sans-culottes parisiens en l'an
II", de 1958, aplicou análise de classes ao estudo do movimento popular
durante a Revolução Francesa, demonstrando a composição social heterogênea dos
sans-culottes e suas formas específicas de consciência política (SOBOUL, 1968,
p. 23-67). Esta tradição de estudos sobre a Revolução Francesa foi
posteriormente criticada por revisionistas como François Furet, que
questionaram a pertinência das categorias marxistas para compreender o fenômeno
revolucionário.
O althusserianismo representou tentativa influente de renovação teórica
do marxismo nos anos 1960-1970. Louis Althusser, em "Pour Marx", de
1965, e "Lire le Capital", de 1965, propôs leitura estruturalista de
Marx que enfatizava a causalidade estrutural e a sobredeterminação, criticando
o humanismo e o historicismo presentes em outras correntes marxistas
(ALTHUSSER, 1979, p. 23-74). Embora a influência de Althusser tenha declinado
após os anos 1970, suas formulações sobre ideologia e aparelhos ideológicos de
Estado continuam influentes nos estudos culturais.
Perry Anderson ofereceu contribuições importantes tanto para a teoria
marxista quanto para a história comparada. Em "Passages from Antiquity to
Feudalism" e "Lineages of the Absolutist State", ambos de 1974,
Anderson aplicou categorias marxistas à análise das transições entre modos de
produção na história europeia, demonstrando as variações regionais e as
especificidades do desenvolvimento histórico ocidental e oriental (ANDERSON,
1985, 1989). Estas obras exemplificam a capacidade da historiografia marxista
de produzir sínteses comparativas de grande escala sem recair em esquematismos
teleológicos.
As críticas ao marxismo historiográfico provêm de múltiplas direções.
Críticos liberais questionaram o determinismo econômico e a teleologia
implícita na narrativa marxista da história. A "virada linguística"
problematizou a relação entre interesse material e consciência de classe, argumentando
que as identidades coletivas são construídas discursivamente, não derivadas
automaticamente de posições estruturais. Como argumentou Joan Scott em
"Gender and the Politics of History", de 1988, a categoria de classe
frequentemente invisibilizou diferenças de gênero fundamentais para compreender
a formação das identidades sociais (SCOTT, 1999, p. 53-90).
O colapso dos regimes socialistas do Leste Europeu em 1989-1991 impactou
profundamente a recepção do marxismo na historiografia. O descrédito do
"socialismo real" refletiu-se em questionamentos sobre a validade do
materialismo histórico como teoria da história. Contudo, como observou Ellen
Meiksins Wood em "The Retreat from Class", de 1986, a crítica ao
stalinismo não implica necessariamente abandono do marxismo como tradição de
pensamento crítico sobre o capitalismo (WOOD, 1986, p. 1-19). A historiografia
marxista continua presente no cenário intelectual contemporâneo, ainda que de
forma menos hegemônica que em décadas anteriores.
Em balanço crítico, a contribuição do marxismo para a historiografia
permanece significativa, independentemente de posições políticas ou teóricas. A
atenção às bases materiais da vida social, às relações de classe e aos
conflitos sociais ampliou irreversivelmente o horizonte da pesquisa histórica.
Mesmo historiadores não marxistas incorporaram preocupações com estruturas
econômicas, desigualdades sociais e perspectivas dos subalternos que devem
muito à tradição marxista. Como observou Hobsbawm em ensaio tardio, o marxismo
oferece menos um sistema fechado de respostas que um conjunto de questões
fundamentais sobre a natureza e transformação das sociedades humanas (HOBSBAWM,
2011, p. 373-385).
5. HISTÓRIA E
ESTRUTURALISMOS
O estruturalismo constituiu movimento intelectual de grande impacto nas
ciências humanas durante as décadas de 1950 a 1970, influenciando
significativamente a disciplina histórica. Originado na linguística de
Ferdinand de Saussure, conforme apresentada no "Cours de linguistique
générale", publicado postumamente em 1916, o estruturalismo propôs a
análise de fenômenos culturais como sistemas de relações, nos quais os
elementos individuais adquirem significado apenas em função de sua posição na
estrutura total (SAUSSURE, 2006, p. 130-141). A distinção saussuriana entre
língua (sistema) e fala (uso individual), bem como entre sincronia e diacronia,
exerceu influência metodológica decisiva sobre diversas disciplinas.
Claude Lévi-Strauss foi responsável pela aplicação mais influente do
modelo estruturalista à antropologia e, indiretamente, à história. Em
"Anthropologie structurale", de 1958, Lévi-Strauss argumentou que os
fenômenos culturais podem ser analisados como linguagens, sistemas de signos
cujas regras combinatórias são em grande medida inconscientes para os próprios
agentes sociais (LÉVI-STRAUSS, 1975, p. 27-53). Sua análise dos sistemas de
parentesco, dos mitos e das classificações simbólicas revelou estruturas
profundas da mente humana, propondo uma antropologia sincrônica que parecia
prescindir da dimensão histórica.
A relação entre estruturalismo e história foi marcada por tensões
epistemológicas fundamentais. A ênfase estruturalista na sincronia, nas
invariantes e nas estruturas inconscientes parecia contradizer a preocupação
historiográfica com a mudança, o acontecimento e a agência consciente.
Lévi-Strauss, em "La pensée sauvage", de 1962, criticou o que chamou
de "ilusão histórica", questionando a pretensão da história de
oferecer conhecimento totalizante da realidade social (LÉVI-STRAUSS, 1989, p.
275-305). Esta crítica provocou respostas de historiadores como Fernand
Braudel, que defendeu a possibilidade de articulação entre estruturas de longa
duração e temporalidades mais curtas.
A recepção do estruturalismo pela historiografia processou-se de formas
diversas. A escola dos Annales, especialmente a partir de Braudel, incorporou a
noção de estrutura, embora em sentido distinto do estruturalismo
lévi-straussiano. As "estruturas" braudelianas são históricas, mesmo
que de longa duração, e não invariantes universais da mente humana. Como
observou François Dosse em "História do estruturalismo", de
1991-1992, houve convergências e tensões entre o estruturalismo antropológico e
a história das estruturas praticada pelos Annales (DOSSE, 1993, v. 1, p.
145-178). A história das mentalidades, desenvolvida por historiadores como
Robert Mandrou e Georges Duby, aproximou-se do estruturalismo ao investigar
sistemas de representações coletivas relativamente estáveis.
Michel Foucault desenvolveu uma abordagem original que, embora
frequentemente associada ao estruturalismo, apresenta características
específicas. Em "Les mots et les choses", de 1966, Foucault
introduziu o conceito de episteme para designar as condições de possibilidade
do saber em determinada época, as configurações inconscientes que determinam o
que pode ser pensado e dito em cada período (FOUCAULT, 1999, p. 9-22). Esta
"arqueologia do saber", embora atenta à descontinuidade e à ruptura,
aproximou-se do estruturalismo pela ênfase nas determinações impessoais do
discurso.
A "Archéologie du savoir", de 1969, representou tentativa de
Foucault de explicitar sua metodologia, distinguindo-a tanto do estruturalismo
quanto da história tradicional das ideias. Foucault rejeitou a busca de
estruturas universais, interessando-se pelas formações discursivas específicas
que determinam as possibilidades do saber em conjunturas históricas
particulares (FOUCAULT, 2008, p. 43-78). A noção de "prática
discursiva" articulou dimensões linguísticas e institucionais, abrindo
caminho para análises do poder-saber que influenciariam profundamente a
historiografia posterior.
Roland Barthes contribuiu para a reflexão sobre história e estruturalismo
através de suas análises da narrativa e do discurso historiográfico. Em
"Le discours de l'histoire", de 1967, Barthes analisou as estratégias
retóricas que produzem o "efeito de real" nos textos históricos,
problematizando a pretensão de transparência da escrita historiográfica
(BARTHES, 2004, p. 163-180). Esta análise, embora controversa, antecipou
debates posteriores sobre narrativa e representação histórica que seriam
desenvolvidos por Hayden White e outros autores.
A linguística histórica e a semiótica ofereceram outras formas de diálogo
entre estruturalismo e história. Os trabalhos de Émile Benveniste sobre a
enunciação e a subjetividade na linguagem, reunidos em "Problèmes de
linguistique générale" (1966 e 1974), influenciaram historiadores
interessados nas formas de construção do sujeito no discurso (BENVENISTE, 1995,
p. 247-261). A análise do discurso, desenvolvida a partir dessas bases,
tornou-se ferramenta importante para historiadores que investigam a dimensão
linguística das práticas sociais.
A psicanálise lacaniana, com sua releitura estruturalista de Freud,
ofereceu outro ponto de articulação entre estruturalismo e história. Jacques
Lacan, em seminários como "Les quatre concepts fondamentaux de la
psychanalyse", de 1964, propôs compreender o inconsciente como estruturado
como uma linguagem, abrindo possibilidades de análise histórica das formas de
subjetivação em diferentes épocas (LACAN, 1998, p. 25-35). Historiadores como
Michel de Certeau incorporaram elementos lacanianos em suas reflexões sobre a
escrita da história e a relação com o passado ausente.
A crítica ao estruturalismo, desenvolvida a partir dos anos 1970,
evidenciou seus limites para a análise histórica. A ênfase nas estruturas
inconscientes parecia eliminar a agência dos sujeitos, reduzidos a portadores
de estruturas que os transcendem. Paul Ricoeur, em ensaios reunidos em "Le
conflit des interprétations", de 1969, criticou o anti-humanismo
estruturalista, propondo articulação entre explicação estrutural e compreensão
hermenêutica que preservasse a dimensão do sentido e da ação intencional
(RICOEUR, 1988, p. 31-63). Esta crítica antecipou a "virada
hermenêutica" na teoria da história.
O chamado pós-estruturalismo, desenvolvido por autores como Derrida,
Deleuze e o próprio Foucault em sua fase posterior, radicalizou a crítica às
categorias do pensamento ocidental, incluindo a noção mesma de estrutura.
Jacques Derrida, em "L'écriture et la différence", de 1967,
desconstruiu a oposição entre estrutura e acontecimento, centro e margem,
presença e ausência, problematizando os fundamentos metafísicos do
estruturalismo (DERRIDA, 1995, p. 227-249). Estas reflexões influenciaram os
debates posteriores sobre desconstrução e história, especialmente nas vertentes
da historiografia anglo-americana.
O legado do estruturalismo para a historiografia permanece significativo,
ainda que de forma frequentemente implícita. A atenção aos sistemas de
relações, às estruturas inconscientes e às determinações linguísticas do
pensamento tornou-se parte do repertório metodológico comum das ciências
humanas. Como observou Peter Burke em "O que é história cultural?",
de 2004, a história cultural contemporânea incorporou insights estruturalistas
sobre a natureza sistemática das culturas, mesmo quando rejeita os excessos
anti-historicistas de algumas formulações estruturalistas (BURKE, 2005, p.
43-72).
Em síntese, a relação entre história e estruturalismos caracterizou-se
por tensões produtivas que estimularam reflexões fundamentais sobre
temporalidade, mudança, estrutura e agência. Se o estruturalismo ortodoxo
mostrou-se incompatível com a preocupação historiográfica pela transformação e
pelo acontecimento, as versões mais flexíveis e historicizadas do pensamento
estrutural contribuíram para renovar a história das mentalidades, a história
cultural e a análise do discurso. O desafio permanente consiste em articular a
análise das estruturas com a compreensão dos processos de transformação
histórica, reconhecendo tanto as determinações sistêmicas quanto a capacidade
criativa dos agentes sociais.
6. A HERMENÊUTICA
HISTÓRICA NO SÉCULO XX
A hermenêutica histórica constitui tradição de reflexão sobre as
condições e possibilidades da compreensão do passado que remonta ao
historicismo alemão do século XIX, mas que recebeu desenvolvimentos
fundamentais ao longo do século XX. Wilhelm Dilthey, em obras como "Der
Aufbau der geschichtlichen Welt in den Geisteswissenschaften", de 1910,
estabeleceu as bases de uma hermenêutica das ciências do espírito que
distinguia a compreensão (Verstehen) interpretativa destas ciências da
explicação (Erklären) causal das ciências naturais (DILTHEY, 2010, p. 167-205).
Esta distinção epistemológica fundamental atravessa todo o debate hermenêutico
posterior.
A fenomenologia de Edmund Husserl exerceu influência decisiva sobre a
hermenêutica do século XX, especialmente através de seu discípulo Martin
Heidegger. A noção husserliana de "mundo da vida" (Lebenswelt),
desenvolvida em "Die Krisis der europäischen Wissenschaften und die
transzendentale Phänomenologie", de 1936, ofereceu fundamento para
compreender a historicidade da experiência humana como horizonte pré-teórico a
partir do qual emerge todo conhecimento (HUSSERL, 2012, p. 127-156). A
fenomenologia deslocou a questão hermenêutica do problema metodológico das
ciências do espírito para a estrutura ontológica da compreensão humana.
Martin Heidegger, em "Sein und Zeit", de 1927, radicalizou a
reflexão hermenêutica ao argumentar que a compreensão não é apenas método das
ciências humanas, mas modo fundamental de ser do Dasein (ser-aí). O ser humano
é constitutivamente interpretativo, sempre já lançado em um mundo de
significados que condiciona toda compreensão posterior (HEIDEGGER, 2012, p.
199-229). Esta "hermenêutica da facticidade" deslocou a reflexão da
epistemologia para a ontologia, do como conhecemos para o que somos enquanto
seres históricos e interpretativos.
Hans-Georg Gadamer desenvolveu a mais influente filosofia hermenêutica do
século XX em "Wahrheit und Methode", de 1960. Gadamer argumentou
contra a pretensão metodológica de alcançar compreensão objetiva através da
eliminação dos preconceitos do intérprete. Ao contrário, toda compreensão é
condicionada por uma "pré-compreensão" historicamente constituída,
uma tradição na qual o intérprete está inserido e que determina suas
possibilidades de compreensão (GADAMER, 1997, p. 354-405). O conceito de
"fusão de horizontes" descreve o processo pelo qual o horizonte
presente do intérprete encontra o horizonte passado do texto ou acontecimento
interpretado.
A noção gadameriana de "consciência histórica efeitual"
(wirkungsgeschichtliches Bewusstsein) constitui contribuição fundamental para a
teoria da história. Gadamer argumentou que toda compreensão histórica é ela
mesma determinada pela história dos efeitos do passado sobre o presente, de
modo que o intérprete nunca ocupa posição exterior à tradição que interpreta
(GADAMER, 1997, p. 448-467). Esta concepção implica reconhecimento da
circularidade hermenêutica não como defeito metodológico, mas como condição
estrutural de toda compreensão.
Paul Ricoeur elaborou síntese original entre hermenêutica, fenomenologia
e outras correntes filosóficas em obras que influenciaram profundamente a
teoria da história. Em "Temps et récit", publicado em três volumes
entre 1983 e 1985, Ricoeur investigou as relações entre tempo vivido e tempo
narrado, argumentando que a narrativa constitui mediação fundamental entre a experiência
temporal humana e sua inteligibilidade (RICOEUR, 1994, v. 1, p. 85-127). A
configuração narrativa, através da tessitura de uma intriga (mise en intrigue),
transforma a sucessão de acontecimentos em história compreensível.
A hermenêutica ricoeuriana articulou explicação e compreensão em uma
dialética que superou a dicotomia diltheyana. Em "Du texte à
l'action", de 1986, Ricoeur propôs o "arco hermenêutico" como
modelo que integra momentos de distanciamento analítico e apropriação compreensiva
na interpretação dos textos e ações humanas (RICOEUR, 1989, p. 155-187). Esta
abordagem permitiu incorporar contribuições do estruturalismo e da análise do
discurso sem abandonar a preocupação com o sentido e a referência que
caracteriza a tradição hermenêutica.
A recepção da hermenêutica pela historiografia processou-se de formas
diversas. Reinhart Koselleck, formado na tradição hermenêutica alemã,
desenvolveu a "história dos conceitos" (Begriffsgeschichte) como
método de análise das transformações semânticas dos conceitos políticos e
sociais fundamentais. Em "Vergangene Zukunft", de 1979, Koselleck
argumentou que os conceitos não são meros reflexos de realidades
extralinguísticas, mas constitutivos das experiências e expectativas históricas
(KOSELLECK, 2006, p. 97-118). A tensão entre "espaço de experiência"
e "horizonte de expectativa" tornou-se ferramenta analítica
amplamente utilizada.
O debate entre Gadamer e Jürgen Habermas nos anos 1960-1970 evidenciou
tensões importantes dentro da tradição hermenêutica. Habermas, em "Zur
Logik der Sozialwissenschaften", de 1967, criticou Gadamer por
supostamente universalizar a tradição e negligenciar as distorções sistemáticas
da comunicação causadas por relações de poder (HABERMAS, 1988, p. 251-289).
Enquanto Gadamer enfatizava a autoridade da tradição e a finitude da razão,
Habermas defendia a possibilidade de crítica racional das tradições e de
emancipação através da comunicação livre de distorções.
A hermenêutica influenciou debates historiográficos sobre a relação entre
narrativa e verdade histórica. O questionamento pós-moderno das pretensões de
verdade da historiografia, associado a autores como Hayden White, provocou
respostas de historiadores que mobilizaram recursos hermenêuticos. Carlo
Ginzburg, em "Rapporti di forza", de 2000, argumentou contra o
relativismo narrativista, defendendo a possibilidade de verdade histórica
através de procedimentos indiciários e argumentação racional (GINZBURG, 2002,
p. 13-45). A hermenêutica oferece recursos para defender a especificidade do conhecimento
histórico sem recair em objetivismo ingênuo.
A história intelectual e a história dos conceitos constituem campos nos
quais a hermenêutica exerceu influência particularmente significativa. A
Cambridge School, representada por Quentin Skinner e John Pocock, desenvolveu
abordagem contextualista da história do pensamento político que incorpora
insights hermenêuticos. Skinner, em "Visions of Politics", de 2002,
argumentou pela necessidade de reconstruir as convenções linguísticas e os
contextos de uso nos quais os textos foram produzidos para compreender
adequadamente seus significados (SKINNER, 2002, p. 57-89). Esta abordagem
articula atenção ao texto com investigação histórica das condições de sua
produção e recepção.
Frank Ankersmit, em "Historical Representation", de 2001,
desenvolveu filosofia da história que incorpora elementos hermenêuticos na
reflexão sobre representação histórica. Ankersmit argumentou que a
representação histórica não é mera cópia do passado, mas proposta de
significado que estabelece relação interpretativa entre presente e passado
(ANKERSMIT, 2012, p. 77-115). Esta concepção permite compreender a
historiografia como empreendimento hermenêutico que produz interpretações
perspectivadas, mas nem por isso arbitrárias, do passado.
Em síntese, a hermenêutica histórica do século XX ofereceu contribuições
fundamentais para a reflexão sobre as condições de possibilidade do
conhecimento histórico. O reconhecimento da historicidade do próprio
historiador, a atenção às mediações linguísticas e narrativas, a dialética
entre explicação e compreensão, a reflexão sobre tradição e crítica constituem
aquisições permanentes para a teoria da história. Como observou Ricoeur, a
hermenêutica não oferece método alternativo para as ciências históricas, mas
reflexão sobre as condições de toda compreensão, incluindo a compreensão
histórica (RICOEUR, 1994, v. 3, p. 273-314). Esta reflexão permanece
indispensável para a formação do historiador contemporâneo.
7. HISTÓRIA DA
HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA
A história da historiografia brasileira constitui campo de estudos
fundamental para compreender a formação da disciplina no país e suas relações
com processos mais amplos de construção da identidade nacional e
institucionalização acadêmica. O marco fundador convencionalmente identificado
é a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) em 1838,
instituição que concentrou a produção historiográfica durante o período
imperial. Como demonstrou Manoel Luís Salgado Guimarães em "Nação e
civilização nos trópicos", de 1988, o IHGB vinculou estreitamente o
projeto historiográfico à construção simbólica do Estado nacional em formação,
produzindo uma história que legitimava a monarquia e a unidade territorial
(GUIMARÃES, 1988, p. 5-27).
A dissertação de Karl Friedrich Philipp von Martius, "Como se deve
escrever a história do Brasil", premiada pelo IHGB em 1847, estabeleceu as
bases de uma interpretação da formação brasileira centrada na mistura das três
raças, portuguesa, indígena e africana. Embora frequentemente criticada por seu
viés eurocêntrico e hierarquizante, a tese de Martius influenciou profundamente
a historiografia posterior, estabelecendo a mestiçagem como tema central da
reflexão sobre a identidade nacional (MARTIUS, 1845, p. 381-403). A análise crítica
desta matriz interpretativa permanece relevante para compreender as construções
racializadas da história brasileira.
Francisco Adolfo de Varnhagen, com sua "História Geral do
Brasil" publicada entre 1854 e 1857, realizou a primeira grande síntese
historiográfica sobre o país. Varnhagen aplicou métodos de crítica documental
desenvolvidos pela historiografia europeia, especialmente alemã, realizando
extensas pesquisas em arquivos portugueses (VARNHAGEN, 1981, p. 13-27). Sua
obra, marcada por viés conservador e lusófilo, estabeleceu narrativa da
colonização portuguesa como processo civilizador, sendo posteriormente
criticada por sua legitimação da violência colonial contra povos indígenas e
africanos.
João Capistrano de Abreu representa inflexão importante na historiografia
brasileira entre fins do século XIX e início do XX. Em "Capítulos de
história colonial", de 1907, Capistrano deslocou o foco da história
política e administrativa para a formação social e econômica, especialmente a
ocupação do interior através dos caminhos e currais que conformaram o
território brasileiro (CAPISTRANO DE ABREU, 2000, p. 147-189). Sua atenção às
populações do sertão e aos processos de mestiçagem antecipou preocupações que
seriam desenvolvidas pela geração de 1930.
A década de 1930 marca momento decisivo na historiografia brasileira com
a publicação de obras que renovaram a interpretação do país. Gilberto Freyre,
em "Casa-Grande & Senzala", de 1933, propôs compreensão da
formação brasileira centrada na família patriarcal e nas relações entre
senhores e escravos no complexo açucareiro nordestino (FREYRE, 2003, p. 33-87).
Embora criticado por sua idealização das relações escravistas e pelo conceito
de "democracia racial", Freyre introduziu perspectiva antropológica e
culturalista que influenciou profundamente os estudos sobre o Brasil colonial.
Sérgio Buarque de Holanda, em "Raízes do Brasil", de 1936,
ofereceu interpretação alternativa da formação brasileira, enfatizando a
herança ibérica do personalismo e da dificuldade de distinguir público e
privado. O conceito de "homem cordial", frequentemente mal
compreendido, designa um tipo de sociabilidade baseado em relações pessoais que
dificulta a constituição de uma esfera pública impessoal (HOLANDA, 1995, p.
139-151). A obra articula reflexão histórica com diagnóstico sociológico do
presente, influenciando debates sobre modernização e democratização.
Caio Prado Júnior, em "Formação do Brasil Contemporâneo", de
1942, introduziu perspectiva marxista na historiografia brasileira. Sua tese
sobre o "sentido da colonização" argumentou que a economia colonial
foi organizada para produzir gêneros tropicais para o mercado externo,
configurando dependência estrutural que marcaria toda a história brasileira
posterior (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 19-32). Esta interpretação influenciou
profundamente os debates sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento nas décadas
seguintes.
A institucionalização universitária da história no Brasil processou-se a
partir da década de 1930, com a criação da Universidade de São Paulo em 1934 e
da Universidade do Brasil em 1937. A presença de professores estrangeiros,
especialmente franceses como Fernand Braudel na USP, influenciou a formação de
gerações de historiadores brasileiros. Como analisou Maria Helena Rolim Capelato
em "Escola uspiana de história", esta tradição acadêmica
caracterizou-se pela incorporação seletiva de modelos historiográficos europeus
e por diálogo produtivo com as ciências sociais (CAPELATO et al., 1994, p.
349-371).
A partir dos anos 1960-1970, a historiografia brasileira diversificou-se
tematicamente e renovou-se metodologicamente. A influência dos Annales e do
marxismo thompsoniano estimulou estudos sobre história econômica, social e das
mentalidades que ultrapassaram os marcos tradicionais da história política.
Fernando Novais, em "Portugal e Brasil na crise do antigo sistema
colonial", de 1979, articulou a história colonial brasileira com a
dinâmica do sistema capitalista mundial, oferecendo síntese influente sobre as
relações entre metrópole e colônia (NOVAIS, 1989, p. 57-116).
A renovação dos estudos sobre escravidão constitui um dos
desenvolvimentos mais significativos da historiografia brasileira recente.
Superando tanto a visão paternalista freyriana quanto o economicismo de certa
historiografia marxista, autores como João José Reis, Sidney Chalhoub e Silvia
Hunold Lara produziram estudos que recuperam a agência dos escravizados e as
complexidades das relações escravistas. Reis, em "Rebelião escrava no
Brasil", de 1986, analisou a Revolta dos Malês de 1835 revelando as
dimensões religiosas, étnicas e políticas da resistência escrava (REIS, 2003,
p. 9-45).
A história da República brasileira também foi objeto de revisões
importantes. A crítica à historiografia tradicional, centrada nas elites
políticas e nos grandes eventos, abriu espaço para estudos sobre movimentos
sociais, cultura popular e experiências das classes trabalhadoras. A obra de
Emília Viotti da Costa, especialmente "Da Monarquia à República", de
1977, ofereceu interpretação do processo de abolição e proclamação da República
atenta às contradições sociais e aos conflitos de classe (VIOTTI DA COSTA,
1999, p. 289-331).
Os debates teórico-metodológicos contemporâneos refletem-se também na
historiografia brasileira. A recepção da micro-história italiana, da história
cultural e dos estudos pós-coloniais ampliou o repertório analítico disponível
aos historiadores brasileiros. Sidney Chalhoub, em "Cidade febril",
de 1996, exemplificou as possibilidades da micro-história ao analisar as
políticas de saúde pública no Rio de Janeiro através das experiências de
moradores dos cortiços (CHALHOUB, 1996, p. 15-59). A atenção às vozes
subalternas e às resistências cotidianas tornou-se marca de parcela
significativa da historiografia brasileira contemporânea.
Em perspectiva crítica, a história da historiografia brasileira revela
processos de construção de narrativas nacionais atravessados por questões de
raça, classe e gênero frequentemente naturalizadas. A crítica historiográfica
contemporânea problematiza tanto os silêncios da historiografia tradicional,
especialmente quanto às experiências de povos indígenas, africanos e
afro-brasileiros, mulheres e classes populares, quanto as categorias analíticas
empregadas para compreender a formação brasileira. Como argumentou José Murilo
de Carvalho em "A formação das almas", de 1990, a própria construção
dos símbolos e mitos nacionais constitui objeto de análise histórica que revela
disputas de poder e projetos políticos conflitantes (CARVALHO, 1990, p. 9-28).
8. PERIODIZAÇÃO E
TEMPORALIDADES
A questão da periodização constitui problema teórico fundamental para a
historiografia, envolvendo reflexões sobre a natureza do tempo histórico e os
critérios de demarcação de épocas e eras. Toda periodização implica escolhas
interpretativas que não são neutras, mas condicionadas por perspectivas
teóricas, interesses presentes e tradições disciplinares. Como argumentou
Jacques Le Goff em "Faut-il vraiment découper l'histoire en
tranches?", de 2014, as periodizações tradicionais, como a divisão entre
Antiguidade, Idade Média, Tempos Modernos e Contemporâneo, são construções
históricas que refletem a experiência europeia e foram universalizadas através
do colonialismo (LE GOFF, 2015, p. 11-33).
Reinhart Koselleck desenvolveu reflexão teórica fundamental sobre temporalidade
e periodização em "Vergangene Zukunft", de 1979. Koselleck argumentou
que a experiência moderna do tempo caracteriza-se pela crescente distância
entre o "espaço de experiência" (o passado acumulado) e o
"horizonte de expectativa" (as projeções futuras), produzindo uma
temporalidade orientada para o progresso e a novidade que distingue a
modernidade de épocas anteriores (KOSELLECK, 2006, p. 305-327). Esta análise
permite historicizar a própria noção de tempo histórico, reconhecendo que
diferentes sociedades e épocas experimentam a temporalidade de modos diversos.
Fernand Braudel propôs conceituação influente das temporalidades
históricas em sua obra sobre o Mediterrâneo e no artigo "História e
ciências sociais: a longa duração", de 1958. Braudel distinguiu três
durações: o tempo curto dos acontecimentos, a média duração das conjunturas
econômicas e sociais, e a longa duração das estruturas geográficas,
demográficas e mentais que mudam muito lentamente (BRAUDEL, 1990, p. 41-78).
Esta pluralização das temporalidades permitiu superar a redução da história aos
eventos políticos, mas foi criticada por relativizar excessivamente a agência
humana e os acontecimentos transformadores.
O conceito de "regime de historicidade", desenvolvido por
François Hartog em "Régimes d'historicité: présentisme et expériences du
temps", de 2003, oferece ferramenta analítica para compreender as
diferentes formas de articulação entre passado, presente e futuro em distintas
sociedades e épocas. Hartog argumenta que o regime contemporâneo caracteriza-se
pelo "presentismo", uma hipertrofia do presente que dificulta tanto a
elaboração do passado quanto a projeção do futuro (HARTOG, 2013, p. 21-45).
Esta análise conecta reflexão teórica sobre temporalidade com diagnóstico das
experiências históricas contemporâneas.
A periodização tradicional em Antiguidade, Idade Média, Modernidade e
Contemporaneidade tem sido objeto de críticas sistemáticas. Esta divisão,
consolidada no século XIX, reflete perspectiva eurocêntrica que toma a experiência
europeia como medida universal da história. Como demonstrou Dipesh Chakrabarty
em "Provincializing Europe", de 2000, esta periodização pressupõe uma
narrativa de progresso na qual a Europa representa a vanguarda da história
mundial, relegando outras sociedades à condição de atrasadas ou tradicionais
(CHAKRABARTY, 2000, p. 3-46). A crítica pós-colonial propõe historicizar esta
periodização e desenvolver categorias mais adequadas para compreender
experiências não europeias.
A noção de "tempo histórico" como fluxo contínuo e homogêneo
foi questionada por diversas correntes teóricas. Walter Benjamin, nas
"Teses sobre o conceito de história", escritas em 1940, criticou o
historicismo por conceber a história como progressão homogênea e vazia, propondo
em seu lugar uma concepção do tempo como constelação de momentos nos quais o
passado pode ser redimido pelo presente revolucionário (BENJAMIN, 1994, p.
222-232). Esta concepção messiânica do tempo histórico influenciou debates
posteriores sobre memória, trauma e as possibilidades de ruptura com a
continuidade histórica.
A história global e as histórias conectadas propuseram repensar as
periodizações a partir de perspectivas transnacionais. Sanjay Subrahmanyam, em
artigos como "Connected Histories", de 1997, argumentou pela
necessidade de periodizações que considerem as conexões e sincronias entre
diferentes regiões do mundo, superando os marcos temporais derivados de
histórias nacionais ou regionais isoladas (SUBRAHMANYAM, 1997, p. 735-762).
Esta perspectiva evidencia que eventos como a "descoberta" da América
ou a Revolução Industrial estabeleceram sincronias temporais entre regiões
antes desconectadas.
O debate sobre a transição do feudalismo ao capitalismo exemplifica as
implicações políticas e teóricas das periodizações históricas. O "debate
Brenner", desenvolvido nas páginas de Past and Present nos anos 1970,
confrontou interpretações marxistas diversas sobre os fatores determinantes da
transição e sua cronologia. Robert Brenner, em "Agrarian Class Structure
and Economic Development in Pre-Industrial Europe", de 1976, argumentou
pelo primado das relações de classe na explicação da transição, enquanto outros
autores enfatizaram fatores demográficos, comerciais ou tecnológicos (BRENNER,
1991, p. 25-93). Este debate evidencia como periodizações aparentemente
técnicas envolvem pressupostos teóricos fundamentais.
A questão da periodização da história brasileira também suscita debates
importantes. A tradicional divisão em Colônia, Império e República, embora
conveniente, obscurece continuidades estruturais e descontinuidades internas a
cada período. Historiadores como Emília Viotti da Costa e Fernando Novais
propuseram periodizações alternativas baseadas em critérios econômicos e
sociais, enquanto estudos recentes questionam o eurocentrismo implícito na
categoria de "colonial" aplicada à experiência americana (VIOTTI DA
COSTA, 1999, p. 19-43). A periodização da história brasileira permanece campo
aberto de reflexão historiográfica.
A temporalidade das experiências históricas não coincide necessariamente
com a cronologia dos eventos políticos. A história das mentalidades,
desenvolvida pela terceira geração dos Annales, demonstrou a existência de
temporalidades longas nas formas de pensar e sentir que resistem às mudanças
institucionais e políticas. Philippe Ariès, em "L'enfant et la vie
familiale sous l'Ancien Régime", de 1960, revelou a lenta transformação
das concepções de infância e família ao longo dos séculos, em temporalidade que
escapa às periodizações políticas tradicionais (ARIÈS, 1981, p. 17-31). A
pluralidade de temporalidades constitui desafio permanente para a
historiografia.
A micro-história propôs reflexão original sobre a relação entre escalas
de observação e temporalidades históricas. Carlo Ginzburg, em estudos como
"Il formaggio e i vermi", de 1976, demonstrou que a análise intensiva
de casos singulares pode revelar dinâmicas culturais e sociais de longa duração
não perceptíveis em análises macroscópicas (GINZBURG, 2006, p. 11-35). A
micro-história não nega a existência de estruturas de longa duração, mas propõe
abordá-las através do exame detalhado de situações concretas nas quais estas
estruturas se manifestam e são reproduzidas ou transformadas.
Os debates contemporâneos sobre o Antropoceno exemplificam novas formas
de pensar temporalidade e periodização. A proposta de nomear uma nova época
geológica a partir dos impactos humanos sobre o sistema terrestre levanta
questões fundamentais sobre as relações entre tempo humano e tempo geológico,
história e natureza. Dipesh Chakrabarty, em "The Climate of History",
de 2009, argumentou que a crise climática desafia as distinções tradicionais
entre história humana e história natural, exigindo novas formas de pensar a
temporalidade histórica (CHAKRABARTY, 2009, p. 197-222). Este debate evidencia
a atualidade das reflexões sobre periodização e temporalidades.
Em síntese, a reflexão sobre periodização e temporalidades constitui
dimensão fundamental da teoria da história, não como especulação abstrata, mas
como condição para compreender adequadamente as experiências históricas. O reconhecimento
da pluralidade de temporalidades, a crítica às periodizações eurocêntricas e a
atenção às diferentes formas de experimentar e conceber o tempo histórico abrem
novas possibilidades para a pesquisa e a escrita da história. Como observou
Paul Ricoeur, toda narrativa histórica implica configuração temporal que
articula passado, presente e futuro, de modo que a reflexão sobre temporalidade
é inseparável da reflexão sobre a natureza mesma do conhecimento histórico
(RICOEUR, 1994, v. 3, p. 175-212).
9. A HISTÓRIA NO
CENÁRIO DA PÓS-MODERNIDADE
O debate sobre a pós-modernidade e suas implicações para a historiografia
constituiu um dos temas mais controversos da teoria da história nas últimas
décadas do século XX e início do XXI. O termo "pós-modernidade"
abarca significados diversos, designando tanto uma condição histórica posterior
à modernidade quanto um conjunto de posições teóricas críticas aos pressupostos
iluministas de razão, progresso e verdade. Jean-François Lyotard, em "La
condition postmoderne", de 1979, caracterizou a pós-modernidade pela
"incredulidade em relação às metanarrativas", isto é, aos grandes
relatos legitimadores que fundamentavam o conhecimento e a política modernos,
incluindo a própria narrativa histórica do progresso (LYOTARD, 2009, p. 3-17).
A obra de Hayden White exerceu papel central nos debates sobre história e
pós-modernidade. Em "Metahistory: The Historical Imagination in
Nineteenth-Century Europe", de 1973, White analisou as estruturas
narrativas da historiografia oitocentista, argumentando que os textos
históricos empregam estratégias retóricas e tropos linguísticos (metáfora,
metonímia, sinédoque, ironia) que determinam a forma da narrativa antes de
qualquer verificação empírica (WHITE, 1992, p. 11-46). Esta análise provocativa
sugeriu que a historiografia compartilha mais com a literatura de ficção do que
os historiadores geralmente admitem.
White desenvolveu suas teses em obras subsequentes como "Tropics of
Discourse", de 1978, e "The Content of the Form", de 1987. Nestas
obras, argumentou que a narrativa histórica é uma forma de "dar
sentido" ao passado que não é determinada pelos fatos, mas pelos
protocolos linguísticos disponíveis ao historiador. A escolha entre diferentes
estratégias narrativas, modos de emplotment como romance, tragédia, comédia ou
sátira, constitui decisão estética e política, não científica (WHITE, 2001, p.
73-116). Estas teses foram interpretadas por críticos como relativismo
epistemológico que dissolve a distinção entre história e ficção.
As respostas às teses de White evidenciaram as tensões no campo
historiográfico. Carlo Ginzburg, em ensaios reunidos em "Rapporti di
forza", de 2000, criticou a equiparação entre história e ficção,
argumentando que o historiador trabalha com provas e indícios que constrangem
suas interpretações de modo diverso do romancista (GINZBURG, 2002, p. 13-45).
Ginzburg defendeu que, embora toda narrativa histórica seja construção
retórica, a referência ao passado distingue-a fundamentalmente da ficção
literária, não sendo legítimo reduzi-la a mero artefato linguístico.
A filosofia desconstrutivista de Jacques Derrida influenciou debates
historiográficos sobre linguagem, texto e referência. Derrida problematizou a
distinção metafísica entre presença e representação, argumentando que toda
significação é produzida por diferenças e adiamentos (différance) que impedem a
fixação definitiva do sentido (DERRIDA, 1995, p. 19-56). Historiadores como
Dominick LaCapra aplicaram insights derridianos à análise de textos
historiográficos, examinando suas estratégias retóricas, seus silêncios e suas
contradições internas. Esta abordagem, contudo, foi criticada por reduzir a
história à textualidade, negligenciando sua dimensão referencial.
O debate sobre representação histórica intensificou-se a partir de
questionamentos sobre a possibilidade de representar eventos traumáticos como o
Holocausto. Saul Friedländer, organizador de "Probing the Limits of
Representation", de 1992, examinou os desafios éticos e epistemológicos
colocados pela representação do extermínio nazista, argumentando que certos
eventos excedem as capacidades representacionais convencionais da
historiografia (FRIEDLÄNDER, 1992, p. 1-21). Este debate evidenciou os limites
do relativismo narrativista quando confrontado com experiências históricas
extremas que resistem à relativização.
Keith Jenkins representou posição mais radical no debate pós-moderno,
argumentando pela impossibilidade do conhecimento objetivo do passado. Em
"Re-thinking History", de 1991, Jenkins sustentou que a história é
sempre "história para alguém", construída a partir de interesses
presentes que determinam o que conta como passado relevante (JENKINS, 2001, p.
6-32). Esta posição, que dissolve a distinção entre conhecimento e política,
foi criticada por historiadores que argumentaram pela possibilidade de
critérios intersubjetivos de validação do conhecimento histórico, mesmo
reconhecendo seu caráter perspectivado.
Frank Ankersmit desenvolveu filosofia da história pós-moderna mais
sofisticada que evita os extremos do relativismo absoluto. Em "Historical
Representation", de 2001, Ankersmit argumentou que as representações
históricas não são descrições verdadeiras ou falsas do passado, mas propostas
de significado que estabelecem relações interpretativas com o que efetivamente
ocorreu (ANKERSMIT, 2012, p. 25-67). Esta concepção permite manter a referência
ao passado sem pretensões de representação transparente ou correspondência
simples entre texto e realidade.
A resposta de historiadores sociais às teses pós-modernas evidenciou
preocupações com as implicações políticas do relativismo epistemológico. Bryan
Palmer, em "Descent into Discourse", de 1990, criticou a "virada
linguística" por abandonar o terreno da análise social em favor de jogos
textuais que obscurecem as relações de poder e exploração que estruturam as
sociedades (PALMER, 1990, p. 3-37). Esta crítica, procedente de perspectiva
marxista, argumentou que a ênfase exclusiva na linguagem serve para despolitizar
a historiografia, abstraindo os conflitos materiais e de classe.
A história das mulheres e os estudos de gênero desenvolveram relações
complexas com o debate pós-moderno. Joan Scott, em "Gender and the
Politics of History", de 1988, mobilizou conceitos pós-estruturalistas
para argumentar que o gênero é categoria construída discursivamente, não
reflexo de diferenças naturais entre sexos (SCOTT, 1999, p. 28-50). Esta
abordagem, influente nos estudos de gênero, foi criticada por feministas
materialistas que argumentaram pela necessidade de analisar as bases materiais
da opressão de gênero, não apenas suas dimensões discursivas.
O "retorno do político" e a "nova história cultural"
representaram desenvolvimentos historiográficos que, sem rejeitar todas as contribuições
do debate pós-moderno, buscaram superar seus impasses. Roger Chartier, em obras
como "Au bord de la falaise", de 1998, propôs história cultural
atenta às práticas de apropriação dos textos e representações, evitando tanto o
textualismo quanto o contextualismo reducionistas (CHARTIER, 1998, p. 62-86).
Esta abordagem permitiu incorporar insights sobre a dimensão linguística e
simbólica da vida social sem abandonar a análise das condições materiais e das
relações de poder.
O debate sobre história e pós-modernidade arrefeceu nas últimas décadas,
menos por resolução teórica que por deslocamento das questões. Os grandes
debates epistemológicos dos anos 1980-1990 cederam lugar a preocupações mais
específicas com escalas de análise, história global, estudos pós-coloniais e
relações entre história e memória. Como observou Gabrielle Spiegel em
"Practicing History", de 2005, o campo historiográfico contemporâneo
caracteriza-se por pluralismo metodológico que incorpora lições tanto do
criticismo pós-moderno quanto das tradições empíricas da disciplina (SPIEGEL,
2005, p. 1-28).
Em balanço crítico, o debate pós-moderno contribuiu para problematizar
pretensões ingênuas de objetividade e transparência do conhecimento histórico,
revelando as dimensões retóricas, narrativas e políticas da historiografia.
Contudo, as versões mais radicais do relativismo narrativista foram rejeitadas
pela maioria dos historiadores, que mantêm compromisso com procedimentos de
verificação empírica e argumentação racional que distinguem a história de
outras formas de discurso sobre o passado. Como argumentou Ricoeur em "La
mémoire, l'histoire, l'oubli", de 2000, a história mantém sua pretensão de
verdade através da epistemologia do testemunho, da prova documental e da
crítica interpretativa, mesmo reconhecendo o caráter perspectivado e narrativo
de toda representação do passado (RICOEUR, 2007, p. 169-214).
10. HISTÓRIA, MEMÓRIA
E PATRIMÔNIO
As relações entre história, memória e patrimônio constituem campo de
reflexão cada vez mais importante nas ciências humanas contemporâneas. A
distinção entre história e memória, embora problematizada, permanece
analiticamente produtiva para compreender as diferentes formas de relação com o
passado. Pierre Nora, na introdução a "Les lieux de mémoire", publicada
a partir de 1984, argumentou que história e memória estão em oposição
fundamental: enquanto a memória é vivida, afetiva e sujeita a manipulações, a
história é reconstrução crítica e problematizadora do passado (NORA, 1993, p.
9). Esta distinção, embora esquemática, estimulou reflexões sobre as
especificidades de cada forma de relação com o passado.
Maurice Halbwachs desenvolveu, em "Les cadres sociaux de la
mémoire", de 1925, e "La mémoire collective", publicado
postumamente em 1950, a teoria da memória coletiva que influenciou
profundamente os estudos posteriores. Halbwachs argumentou que toda memória
individual é socialmente condicionada, apoiando-se em quadros sociais que
fornecem os pontos de referência para a recordação (HALBWACHS, 2006, p. 29-67).
O conceito de memória coletiva permite compreender como grupos sociais
constroem narrativas compartilhadas sobre seu passado que fundamentam
identidades e solidariedades no presente.
A noção de "lugares de memória" (lieux de mémoire), proposta
por Pierre Nora, ofereceu ferramenta conceitual para analisar as formas de
cristalização da memória em suportes materiais e simbólicos. Os lugares de
memória são pontos onde a memória se ancora: monumentos, arquivos, datas
comemorativas, símbolos e rituais que condensam relações com o passado (NORA,
1993, p. 21-28). Nora argumentou que a proliferação contemporânea de lugares de
memória é sintoma da crise dos quadros tradicionais de transmissão da memória,
exigindo esforços deliberados de comemoração para manter vivo o passado.
A reflexão sobre trauma e memória ganhou centralidade a partir dos
estudos sobre o Holocausto e outras experiências históricas extremas. Dominick
LaCapra, em "Writing History, Writing Trauma", de 2001, analisou as
relações entre história, memória e trauma, argumentando que certos eventos
históricos traumáticos resistem à integração em narrativas convencionais,
exigindo formas específicas de elaboração (LACAPRA, 2001, p. 1-42). O conceito
de "working through" (elaboração) distingue-se do "acting
out" (repetição compulsiva), permitindo pensar as condições para uma
relação não patológica com o passado traumático.
As "políticas da memória" constituem campo de investigação
sobre os usos políticos do passado em contextos de transição de regimes autoritários
para democráticos. Elizabeth Jelin, em "Los trabajos de la memoria",
de 2002, analisou as disputas em torno da memória das ditaduras
latino-americanas, demonstrando como diferentes atores sociais e políticos
mobilizam narrativas sobre o passado para fundamentar demandas presentes por
verdade, justiça e reparação (JELIN, 2002, p. 17-47). A memória emerge assim
como terreno de conflitos que expressa relações de poder e projetos políticos
divergentes.
O conceito de patrimônio histórico e cultural ampliou-se
significativamente ao longo do século XX, expandindo-se dos monumentos
excepcionais para abranger o patrimônio imaterial, as tradições populares e a
cultura cotidiana. A Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial, adotada pela UNESCO em 2003, reconheceu como patrimônio as práticas,
representações, expressões, conhecimentos e técnicas que as comunidades
reconhecem como parte de seu patrimônio cultural (UNESCO, 2003, p. 2-3). Esta
ampliação do conceito implica novos desafios para a preservação e para as
políticas culturais.
Françoise Choay, em "L'allégorie du patrimoine", de 1992,
ofereceu análise histórica do conceito de patrimônio e suas transformações.
Choay argumentou que o patrimônio passou por processo de inflação conceitual e
valorização crescente que reflete a crise da relação contemporânea com o tempo,
uma "obsessão patrimonial" que busca compensar a aceleração das
mudanças e a perda de referências estáveis (CHOAY, 2001, p. 11-29). Esta
análise conecta a reflexão sobre patrimônio com diagnósticos mais amplos sobre
a experiência do tempo na contemporaneidade.
A patrimonialização envolve processos de seleção e valorização que não
são neutros, mas atravessados por relações de poder e interesses diversos. Como
demonstrou David Lowenthal em "The Past is a Foreign Country", de
1985, toda preservação do passado implica escolhas sobre o que preservar, como
apresentar e para quem, escolhas que refletem valores presentes e concepções de
identidade (LOWENTHAL, 1998, p. 263-307). A crítica dos processos de
patrimonialização deve examinar seus silêncios e exclusões, os patrimônios não
reconhecidos ou destruídos de grupos subalternizados.
No Brasil, as políticas de patrimônio desenvolveram-se historicamente a
partir da criação do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) em 1937, posteriormente transformado em IPHAN. Como analisou Márcia
Chuva em "Os arquitetos da memória", de 2009, as primeiras décadas
das políticas patrimoniais brasileiras privilegiaram o patrimônio de pedra e
cal, especialmente a arquitetura colonial barroca, em detrimento de outras
expressões culturais e de patrimônios associados a grupos populares, indígenas
e afro-brasileiros (CHUVA, 2009, p. 147-203). A democratização das políticas de
patrimônio permanece desafio contemporâneo.
A relação entre história acadêmica e memória social envolve tensões e
complementaridades. Se a história profissional reclama para si a capacidade de
produzir conhecimento crítico sobre o passado, distinto das memórias parciais e
interessadas, a memória social frequentemente contesta as pretensões de
autoridade dos historiadores, reivindicando a legitimidade de suas próprias
narrativas. Como argumentou Michael Pollak em "Memória, esquecimento,
silêncio", de 1989, a memória dos grupos dominados frequentemente se
constitui em oposição às narrativas oficiais e acadêmicas que ignoraram ou
distorceram suas experiências (POLLAK, 1989, p. 3-15).
Os usos públicos da história e da memória em museus, exposições e
comemorações constituem campo de reflexão e prática cada vez mais relevante. A
museologia contemporânea questiona as formas tradicionais de apresentação do
passado, propondo abordagens mais participativas e abertas à pluralidade de
memórias. Ulpiano Bezerra de Meneses, em artigos como "Do teatro da
memória ao laboratório da história", de 1994, propôs uma museologia
histórica crítica que problematize as relações entre objetos, memórias e
representações do passado (MENESES, 1994, p. 9-42). Esta perspectiva implica
conceber o museu não como depósito de memórias, mas como espaço de reflexão
crítica sobre a produção do passado.
O "dever de memória" emergiu como categoria ética e política
para designar a obrigação moral de lembrar experiências históricas traumáticas,
especialmente genocídios e violações de direitos humanos. Contudo, esta
categoria também foi objeto de críticas por seu caráter potencialmente
prescritivo e por obscurecer as condições sociais e políticas efetivas de
produção da memória. Tzvetan Todorov, em "Les abus de la mémoire", de
1995, alertou para os riscos de uma "memória literal" que absolutiza
o sofrimento passado, propondo em seu lugar uma "memória exemplar"
que permita extrair lições para o presente e o futuro (TODOROV, 2000, p.
22-33). O equilíbrio entre memória e história, lembrança e esquecimento,
permanece desafio ético e político.
Em síntese, as relações entre história, memória e patrimônio configuram
campo de reflexão teórica e prática social de grande relevância contemporânea.
A história profissional não pode ignorar as demandas sociais por memória e
patrimonialização, mas também não deve subordinar-se acriticamente a elas. Como
argumentou Paul Ricoeur em "La mémoire, l'histoire, l'oubli", de
2000, a tarefa do historiador inclui contribuir para uma "memória
feliz" que articule lembrança e esquecimento, reconhecimento do passado e
abertura ao futuro (RICOEUR, 2007, p. 423-462). Esta articulação entre história
e memória constitui desafio permanente para a disciplina e para as políticas
culturais democráticas.
11. HISTÓRIA DIGITAL:
FONTES, FERRAMENTAS E MÉTODOS
A emergência da história digital constitui uma das transformações mais
significativas da disciplina histórica nas últimas décadas, modificando
substancialmente as condições de produção, circulação e recepção do conhecimento
histórico. O termo "história digital" abrange um conjunto heterogêneo
de práticas que incluem a digitalização de fontes tradicionais, a análise
computacional de grandes volumes de dados, a criação de novos métodos de
visualização e narrativa, e a comunicação pública da história através de
plataformas digitais. Como argumentaram Daniel Cohen e Roy Rosenzweig em
"Digital History: A Guide to Gathering, Preserving, and Presenting the
Past on the Web", de 2006, estas transformações não são meramente técnicas,
mas epistemológicas e metodológicas (COHEN; ROSENZWEIG, 2006, p. 1-15).
A digitalização massiva de acervos documentais transformou radicalmente o
acesso às fontes históricas. Projetos como a Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional brasileira, o Internet Archive, o Google Books e os repositórios de
periódicos como JSTOR e Scielo disponibilizaram milhões de documentos
anteriormente acessíveis apenas em arquivos físicos distantes. Como analisou
Toni Weller em "History in the Digital Age", de 2013, esta abundância
de fontes digitalizadas modifica o próprio ofício do historiador, deslocando o
desafio da escassez para a seleção e processamento de grandes volumes de
informação (WELLER, 2013, p. 1-20). A pesquisa histórica democratiza-se em
certos aspectos, embora novas desigualdades de acesso e competência digital
também se produzam.
As fontes nativas digitais, produzidas originalmente em formato digital
sem equivalente analógico, constituem desafio específico para a historiografia.
E-mails, websites, redes sociais, bases de dados, softwares e outros artefatos
digitais requerem novos procedimentos de coleta, preservação e análise. A
efemeridade da internet, com websites que desaparecem ou modificam-se
continuamente, coloca problemas de preservação que instituições como o Internet
Archive buscam enfrentar através do arquivamento sistemático da web. Como
argumentou Ian Milligan em "History in the Age of Abundance?", de
2019, a abundância de fontes digitais paradoxalmente convive com riscos de
perda irreversível de registros históricos fundamentais (MILLIGAN, 2019, p.
21-47).
Os métodos computacionais de análise textual, frequentemente agrupados
sob o termo "humanidades digitais", oferecem novas possibilidades
para a pesquisa histórica. Técnicas como a análise de frequência de palavras,
modelagem de tópicos (topic modeling), análise de sentimentos e redes
semânticas permitem investigar padrões em grandes corpora textuais impossíveis
de processar através de leitura tradicional. Franco Moretti, em "Distant
Reading", de 2013, propôs a "leitura distante" como método
complementar à "leitura próxima" filológica, permitindo identificar
tendências e estruturas em escalas antes inacessíveis à pesquisa individual
(MORETTI, 2013, p. 43-62). Estas técnicas não substituem a hermenêutica
tradicional, mas a complementam com novas perspectivas.
A análise de redes sociais (Social Network Analysis) constitui
metodologia crescentemente aplicada à pesquisa histórica. Através da
formalização matemática das relações entre indivíduos, grupos ou conceitos, os
historiadores podem visualizar e analisar estruturas de sociabilidade,
circulação de ideias e padrões de interação não perceptíveis através de métodos
convencionais. Claire Lemercier e Claire Zalc, em "Méthodes quantitatives
pour l'historien", de 2008, discutiram as possibilidades e limites da
análise de redes para a história social, advertindo para os riscos de
reificação das relações e negligência dos contextos interpretativos (LEMERCIER;
ZALC, 2008, p. 37-64). A análise de redes é ferramenta, não substituto da
reflexão historiográfica.
Os Sistemas de Informação Geográfica (SIG ou GIS) revolucionaram as
possibilidades da história espacial e da análise geográfica de fenômenos
históricos. A capacidade de georreferenciar dados históricos e produzir
cartografias dinâmicas permite visualizar transformações espaciais ao longo do
tempo de maneiras antes impossíveis. Anne Kelly Knowles, em "Placing
History: How Maps, Spatial Data, and GIS are Changing Historical
Scholarship", de 2008, demonstrou as potencialidades do SIG para estudos
sobre imigração, transformações urbanas, história militar e ambiental (KNOWLES,
2008, p. 1-25). A "spatial turn" (virada espacial) na historiografia
articula-se assim com as novas ferramentas de análise espacial digital.
A visualização de dados históricos constitui campo em expansão que
combina técnicas computacionais com reflexão historiográfica sobre formas de
representação do passado. Gráficos, linhas do tempo interativas, mapas animados
e outras formas de visualização permitem apresentar informações complexas de
maneiras acessíveis e reveladoras. Como argumentou Edward Tufte em trabalhos
seminais sobre visualização de informação, boas visualizações devem revelar
estruturas e padrões nos dados, não apenas decorá-los (TUFTE, 2001, p. 9-31). A
visualização histórica requer portanto não apenas competência técnica, mas
também reflexão sobre as implicações interpretativas das escolhas de
representação.
As humanidades digitais no Brasil desenvolveram-se a partir dos anos
2000, com a criação de laboratórios, grupos de pesquisa e iniciativas de
digitalização de acervos. O Laboratório de História Digital da UFRJ, o projeto
ATHIS da FFLCH-USP e diversos outros grupos vêm experimentando com métodos
digitais aplicados à história brasileira. Como discutiu Anita Lucchesi em
"Digital history and the politics of digitization", de 2020, estas
iniciativas enfrentam desafios específicos relacionados à infraestrutura tecnológica,
financiamento, formação de pesquisadores e políticas de acesso aberto
(LUCCHESI, 2020, p. 110-134). A história digital brasileira desenvolve-se em
diálogo com tendências internacionais, mas também com especificidades locais.
A publicação e comunicação da história através de plataformas digitais
modificam as formas de circulação do conhecimento histórico para além da
academia. Blogs, podcasts, canais no YouTube, exposições virtuais e projetos
colaborativos permitem formas de divulgação científica e engajamento público
antes impossíveis ou muito custosas. Contudo, como alertou Serge Noiret em
"La digital history: histoire et mémoire à la portée de tous", de
2011, a democratização da produção e circulação de conteúdo histórico também
coloca desafios de qualidade, confiabilidade e distinção entre história
acadêmica e outros usos do passado (NOIRET, 2011, p. 121-158). A autoridade do
historiador profissional é simultaneamente questionada e demandada no ambiente
digital.
As questões de preservação digital constituem desafio fundamental para a
história contemporânea e futura. A obsolescência de formatos de arquivo,
suportes de armazenamento e softwares ameaça a durabilidade dos registros
digitais, paradoxalmente mais frágeis em certos aspectos que documentos em
papel ou pergaminho. Arquivos e bibliotecas desenvolvem estratégias de migração
de formatos, redundância de armazenamento e curadoria digital para enfrentar
estes desafios. Como argumentou Trevor Owens em "The Theory and Craft of Digital
Preservation", de 2018, a preservação digital não é problema técnico
resolvido, mas processo contínuo que requer recursos, expertise e compromisso
institucional de longo prazo (OWENS, 2018, p. 1-23).
Os debates éticos sobre história digital abrangem questões de
privacidade, propriedade intelectual, acesso e representatividade. A
disponibilização online de documentos históricos que contêm informações
pessoais sensíveis levanta questões sobre privacidade de indivíduos e
comunidades, especialmente quando se trata de grupos vulneráveis ou
estigmatizados. Michelle Caswell, em estudos sobre arquivos de comunidades,
argumentou pela necessidade de protocolos éticos que respeitem os direitos e
interesses das pessoas e grupos representados nos acervos digitalizados
(CASWELL, 2016, p. 25-47). A história digital não é território neutro, mas
atravessado por questões de poder e justiça.
A formação de historiadores para o ambiente digital constitui desafio
pedagógico que implica revisão curricular e desenvolvimento de novas
competências. Para além de habilidades técnicas específicas, como programação
básica, tratamento de dados e uso de ferramentas de análise, a formação em
história digital requer reflexão crítica sobre as implicações epistemológicas e
metodológicas das novas tecnologias. Como argumentou Cameron Blevins em
"Digital History's Perpetual Future Tense", de 2016, a história
digital frequentemente permanece como promessa futura em vez de prática
consolidada, exigindo esforços sistemáticos de institucionalização e formação
(BLEVINS, 2016, p. 308-324). A integração entre métodos tradicionais e digitais
permanece desafio para a disciplina.
Em síntese, a história digital representa transformação significativa nas
condições de produção do conhecimento histórico que não pode ser ignorada pelos
historiadores contemporâneos. As novas fontes, ferramentas e métodos digitais
não substituem as competências tradicionais da crítica documental, da
interpretação hermenêutica e da narrativa historiográfica, mas as complementam
e, em certos aspectos, as transformam. Como observou Jo Guldi e David Armitage
em "The History Manifesto", de 2014, as ferramentas digitais podem
contribuir para uma história de maior alcance temporal e espacial, capaz de
enfrentar os grandes desafios do presente, desde que combinadas com reflexão
crítica sobre seus pressupostos e limites (GULDI; ARMITAGE, 2014, p. 14-37). A
história digital é assim menos ruptura radical que desenvolvimento das
possibilidades da disciplina em novo contexto tecnológico e social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O percurso analítico desenvolvido ao longo deste artigo evidencia a
riqueza e complexidade dos debates teórico-metodológicos que conformaram e
continuam a transformar a disciplina histórica. Da institucionalização
oitocentista aos desafios digitais contemporâneos, a história atravessou
transformações profundas em seus objetos, métodos, fontes e formas de escrita.
Cada uma das onze dimensões examinadas revela tensões produtivas entre tradição
e inovação, continuidade e ruptura, que caracterizam o desenvolvimento da
disciplina.
O historicismo alemão estabeleceu os fundamentos institucionais e
metodológicos da história profissional, legando tanto procedimentos de crítica
documental ainda válidos quanto pressupostos epistemológicos posteriormente
questionados. A renovação promovida pela Escola dos Annales ampliou
irreversivelmente os horizontes temáticos e metodológicos da pesquisa
histórica, introduzindo o diálogo sistemático com as ciências sociais que
permanece marca distintiva da disciplina. O marxismo, em suas múltiplas
vertentes, contribuiu para a atenção às bases materiais da vida social, às
relações de classe e às experiências dos grupos subalternos.
O estruturalismo colocou questões fundamentais sobre as relações entre
estrutura e acontecimento, sincronia e diacronia, que estimularam a reflexão
sobre temporalidades históricas e a natureza do conhecimento sobre o passado. A
hermenêutica, por sua vez, ofereceu recursos para pensar a especificidade
interpretativa das ciências humanas e as condições de toda compreensão
histórica. Os debates pós-modernos, apesar de seus excessos, contribuíram para
problematizar pretensões ingênuas de objetividade e para evidenciar as
dimensões retóricas e narrativas da escrita da história.
A historiografia brasileira, constituída em diálogo com tradições
internacionais e com especificidades locais, desenvolveu contribuições
originais para a compreensão da formação histórica do país e para os debates
teórico-metodológicos mais amplos. As reflexões sobre periodização e
temporalidades revelam o caráter construído e perspectivado de toda organização
do tempo histórico. As relações entre história, memória e patrimônio evidenciam
as dimensões públicas e políticas do conhecimento sobre o passado. Finalmente,
a história digital impõe novos desafios e abre novas possibilidades que
transformam as condições de exercício do ofício do historiador.
A formação do historiador contemporâneo requer, portanto, familiaridade
com estas múltiplas tradições teórico-metodológicas, não como repertório
erudito de conhecimentos estéreis, mas como instrumentos para interrogar
adequadamente as fontes, construir interpretações fundamentadas e refletir
criticamente sobre o próprio fazer historiográfico. O domínio de procedimentos
metodológicos articula-se necessariamente com a capacidade de reflexão teórica
sobre os fundamentos, possibilidades e limites do conhecimento histórico. Como
observou Marc Bloch, a história permanece, antes de tudo, "a ciência dos
homens no tempo" — e compreender adequadamente esta definição exige
engajamento permanente com as questões teóricas e metodológicas que atravessam
a disciplina.
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