Ministro-holofote da educação corrige carta enviada às escolas: autoritarismo à espreita

O Presidente Jair Bolsonaro disseminou Ministros com a função "holofote", ou seja, que conduzem o foco das atenções para seus atos, deixando na penumbra ou na escuridão completa coisas muito mais importantes. Iluminam atos ideológicos, que beneficiam grupos limitados ou específicos, ainda que sob a aparência da universalidade.

Há Ministros-holofotes "sérios e respeitados", como o Guedes e o Moro. Buscam desviar o foco das atenções para questões aparentemente técnicas e que interessariam a várias forças sociais do país, como a corrupção e a reforma da previdência. Seus discursos desviam a atenção das pessoas de coisas mais profundas, como o irreversível aumento das desigualdades sociais no capitalismo do presente e os lucros exagerados das instituições financeiras, por exemplo.

Além desses, há os Ministros-holofotes mais "espalhafatosos" como a Damares e o Vélez. Inegavelmente representam grupos sociais, como as religiões evangélicas, no caso dela, e os olavistas, no caso dele. Mas praticam atos tão descabidos e inesperados para um Ministro que custa a acreditar estejam agindo de acordo com esses grupos representados. De todo modo, o resultado é o mesmo: desvio de foco.


No caso do Ministro da Educação, o episódio da carta enviada aos diretores de escolas revela, mais uma vez, esse desvio. Enquanto os dados envergonham, como 11,5 milhões de analfabetos, 48,5 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos sem estudar ou trabalhar, 2 milhões de crianças e adolescentes fora das escolas, 1,3 milhão de crianças entre 11 e 15 anos "atrasadas" na escola e 2 milhões "atrasadas" entre 15 e 17 anos, Vélez preocupa-se com a escrita e o envio de uma carta juridicamente questionável:
Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!
O primeiro problema jurídico aparece no trecho acima quando o Ministro reproduz slogan da campanha de Bolsonaro. Entre outros princípios de direito administrativo, isso fere a impessoalidade e a neutralidade da gestão. Juntamente com a carta, veio o "pedido" para sua leitura pelo diretor, com os alunos perfilados diante da bandeira do Brasil e posterior execução do hino nacional.

Outro problema jurídico aparece na sequência:
Solicita-se, por último, que um representante da escola filme (pode ser com celular) trechos curtos da leitura da carta e da execução do hino nacional.
Como fartamente apontado pela imprensa, esse pedido gera conflito com o direito à imagem de crianças, visto que as filmagens, além de não contarem com a autorização dos pais, seriam enviadas para o Ministério da Educação "com os dados da escola". O que o Ministério faria com esses vídeos?

Voltando à mensagem original de Vélez, há um terceiro problema que decorre do trecho final: "Deus acima de tudo". Ao ser lido pelo diretor da escola, a fala revelaria um posicionamento religioso que não é universal: o monoteísmo. Esse posicionamento contraria, no mínimo, a liberdade religiosa de grupos ateus ou politeístas.

Segundo o site do MEC, o Ministro, após "reconhecer o equívoco", preparou nova carta para enviar às escolas. Na nova versão, celebra-se a "educação responsável e de qualidade", retirando-se o trecho utilizado na campanha de Bolsonaro. Mantém-se o pedido para execução do hino nacional e de filmagem das crianças, acrescentando-se a necessidade de "autorização legal da pessoa filmada ou de seu responsável". Em outras palavras, a essência ideológica da carta está mantida.


Conforme Bernardo Mello Franco, em coluna de hoje (26/02) do jornal O Globo, "o comunicado é típico de ditaduras, e não só pelo ufanismo de almanaque". Afirma que a medida "confunde as tarefas de Estado com a militância ideológica", comparando-a a medidas pós-1964 e do Estado Novo.

Podemos considerar o episódio como mais um sintoma do autoritarismo que está à espreita. Recentemente tivemos o caso do decreto presidencial ampliando o rol de funcionários com o poder de declarar sigilo para documentos públicos, restringindo o acesso à informação. Felizmente, a Câmara o derrubou. Além disso, há as constantes ameaças de caracterização de movimentos sociais e, até, partidos políticos, como organizações terroristas. E houve o pouco explicado caso Jean Wyllys, renunciando a seu mandato parlamentar.

Nesse ambiente, não surpreende que o editorial do jornal O Estado de S.Paulo (edição de 26/2/19) tenha divulgado trechos de relatório da instituição americana Freedom House colocando o Brasil entre os dez países em que houve "importantes acontecimentos em 2018" a afetarem sua democracia, como a "desinformação e violência política" da campanha eleitoral.

O problema do autoritarismo é que ele não surge de uma hora para outra, inesperadamente. Sua face aparece aos poucos, enquanto encorpa e ganha força. Inegavelmente, há uma lógica autoritária no governo (talvez exista em todos). Ela precisa de uma ideologia. A medida ufanista do Ministro-holofote da Educação tenta trazer luz para ela.


Em tempo: O Jornal Folha de S.Paulo informa que o Ministro da Educação encaminharia novo comunicado às escolas retirando o pedido de envio de vídeos. Até o momento (28/2/19, 10h), nada consta no site do MEC. Vários órgãos de imprensa relataram mobilização de estudantes para enviar vídeos realmente importantes ao Ministério, exibindo problemas estruturais de nossa educação. Esse tipo de subversão criativa é fundamental neste momento.

A politização do STF no voto de Celso de Mello criminalizando a homofobia



Em um mundo ideal, existem duas esferas que não se tocam: a política e o direito. Cabe à política discutir os grandes temas da sociedade e estabelecer padrões, por meio de leis; cabe ao direito analisar comportamentos concretos à luz desses padrões estabelecidos pelas leis. O Congresso, órgão político, faz as leis e o Judiciário, órgão do direito, as interpreta e aplica.

Essas divisões começam a se complicar quando lembramos da Constituição Federal. Ela é parte da política ou do direito? As leis devem ser elaboradas, interpretadas e aplicadas conforme a Constituição. Trata-se, portanto, de ponto inegável de contato entre as esferas que não se deveriam tocar.


Aí podemos concluir que o Supremo Tribunal Federal (STF) é um órgão de natureza mista: sua função essencial consiste em interpretar a Constituição, dizendo para a sociedade qual seu "verdadeiro" significado. Consequentemente, ele é responsável por indicar se uma lei, feita pelo Congresso, é constitucional ou não. Caso não seja, seus efeitos são suspensos. Haveria função mais política do que essa, suspender os efeitos de uma lei?

O problema é que nas nossas caixinhas ideais colocamos o STF como órgão de cúpula do Poder Judiciário, sendo o mais poderoso do direito. Esperamos que os Ministros analisem os casos a partir de um raciocínio lógico, de natureza silogística, partindo das regras constitucionais (premissa maior) em face dos fatos ou das leis (premissa menor), concluindo com a única decisão possível. Se fosse assim, tudo continuaria redondo.

Porém, os casos de maior repercussão que chegam ao STF não são "fáceis", mas "difíceis" (hard cases). Um caso difícil é aquele para o qual não se encontra a solução em uma regra pronta. Às vezes, duas regras contraditórias tratam ao mesmo tempo do caso. Noutras vezes, não há regras, mas princípios contraditórios trazendo a possível solução. De qualquer modo, a decisão exigirá um esforço mais intenso de interpretação.

Nesse sentido, falamos de politização do direito quando o Judiciário recebe um caso "difícil" que deveria ter sido resolvido pelo Poder Legislativo ou pelo Poder Executivo. Por exemplo, no caso deste último: uma política pública não implementada por um governador, como a distribuição gratuita de determinado medicamento, que é apreciada e implementada diretamente por um juiz.

No caso da criminalização da homofobia, temos um exemplo de caso que deveria ter sido resolvido pelo Poder Legislativo. A Constituição Federal de 1988 foi muito clara em seu inciso XLI, do artigo 5°: "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais".

Se considerarmos que discriminar uma pessoa em virtude de sua orientação sexual viola seus direitos e liberdades fundamentais, então essa conduta deve ser tipificada como proibida por uma lei, suscitando punição àquele que a pratique. Em outras palavras, a Constituição determina ao Congresso que crie uma lei criminalizando a homofobia.

Todavia, dado o perfil conservador dos parlamentares, muitas vezes imbuídos de intolerância sexual, essa lei jamais foi criada. Isso caracteriza a omissão legislativa, abrindo espaço para a atuação política do STF, mediante provocação por meio de dois instrumentos: o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

No dia 20/2/19, o Ministro Celso de Mello finalizou a leitura de seu voto, na qualidade de relator, apreciando a questão acima. Sem grandes dificuldades, reconheceu a omissão de mais de trinta anos do Congresso brasileiro ao não criar lei criminalizando a homofobia. Para saná-la, contudo, precisou de recursos sofisticados de teoria geral do direito.

Precisamos dizer que a falta de uma lei tratando de um tema é chamada de "lacuna". Isso não deveria ocorrer. O direito deveria ser um conjunto completo, tratando de todos possíveis conflitos sociais. Mas não é.

Hoje, mesmo quando existe a lei, tamanha é a complexidade social que ninguém consegue identificar o caso a que ela se refere. Do mesmo modo, os casos se tornam tão complexos que parecem sempre fugir da incidência das leis congeladas no tempo. Tércio Sampaio Ferraz Júnior (em Nota a um leitor intrigado, texto que fala dos trinta anos de seu livro Introdução ao Estudo do Direito) aborda isso:
...entre a universalidade do direito tradicionalmente concebido e as liberdades singulares, a relação permanece abstrata e, no espaço dessa abstração, desencadeiam-se formas muito reais de violência (protestos com agressões, confusão entre espaço público e espaço destinado ao público, agressões gratuitas ao diferente, entre tantas outras) que acabam por consumar a cisão entre o direito como instituição legislada/jurisdicizada e a prática social que irrompe pelo curto circuito da comunicação virtual, capaz de, em instantes, movimentar, numa “ordem” “desordenada”, multidões e indivíduos.
De qualquer modo, no caso da homofobia, o Ministro apontou claramente a ausência da lei, caracterizando a lacuna. Quando uma lacuna é constatada, existem mecanismos para sua eliminação. O mandado de injunção é um deles: o STF determina que o Poder Legislativo faça a lei faltante. Mas a ordem para por aí. O Judiciário não pode, efetivamente, forçar o Legislativo a legislar. Nem pode ele mesmo, por não ter essa competência, criar sozinho essa lei.

Enquanto isso, a lei não criada faz falta. Cabe ao Judiciário (ao STF, no caso) apresentar uma solução que elimine a lacuna até a criação definitiva da lei. Aqui reside o grande problema do caso: estamos falando em transformar uma conduta em crime. A constituição é bastante clara nesse pormenor: não há crime ou pena sem LEI anteriormente criada (art. 5°, inc. XXXIX).

A Constituição não autoriza a criação de crime por qualquer outro meio que não seja a lei feita pelo Congresso. Como vimos, ela também determina que seja criada lei punindo (estabelecendo penas) qualquer forma de discriminação, como a homofobia. E essa lei ainda não existe.

Eis o impasse enfrentado pelo Ministro Celso de Mello: como criminalizar a homofobia sem criar, no seio do STF, uma nova lei? Como evitar que pessoas sejam prejudicadas em seus direitos e liberdades fundamentais em virtude de sua orientação sexual até que o Congresso resolva criar essa lei?

A teoria geral do direito ensina que a lacuna pode ser preenchida de outras formas que não sejam a edição da lei faltante: por analogia, costumes ou princípios. Porém, nenhum desses recursos, à luz do citado inciso XXXIX do artigo 5° da CF, permite que se preencha uma lacuna criando um novo crime.

A solução encontrada pelo magistrado contraria a lógica do argumento construído em seu voto. O Ministro optou por reinterpretar o artigo de uma lei já existente, ressignificando o crime nela previsto para nele enquadrar a homofobia. Ora, mas com isso nega a existência da própria lacuna! Se sua interpretação atualizadora revela que a homofobia já estava prevista nessa lei, então não havia a necessidade de se falar anteriormente em lacuna.

A manobra hermenêutica deu-se com a Lei 7.716/89:
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
 Vejamos, nas palavras do próprio magistrado:
...reconhecimento imediato, por esta Corte, de que a homofobia e a transfobia, quaisquer que sejam as formas pelas quais se manifestem, enquadram-se, mediante interpretação conforme à Constituição, na noção conceitual de racismo prevista na Lei n° 7.716/89, em ordem a que se tenham como tipificados, na condição de delitos previstos nesse diploma legislativo, comportamentos discriminatórios e atentatórios aos direitos e liberdades fundamentais do grupo vulnerável LGBT (p. 65).
Seguindo seu raciocínio, a palavra racismo deve ser interpretada conforme a Constituição, atualizando seu significado. Como não há qualquer base científica para a defesa da ideia de que existam raças biologicamente diferentes entre os seres humanos, qualquer noção de racismo será uma construção cultural. Dizer que raça signifique uma coisa ou outra é uma questão arbitrária (p. 97).

Sendo assim, o Ministro Celso de Mello considera "atos homofóbicos e transfóbicos como formas contemporâneas do racismo", enquadráveis na tipificação penal da citada lei n° 7.716/89 (p.90). Sua justificativa para essa interpretação liga-se à eficácia:
Daí a correta afirmação de que no processo de indagação constitucional, impõe-se ao intérprete, mediante adequada pré-compreensão dos valores que informam e estruturam o próprio texto da Constituição, conferir-lhes sentido que permita deles extrair a sua máxima eficácia, em ordem a dar-lhes significação compatível com os altos objetivos indicados na Carta Política (p. 91).
O Poder Judiciário, em sua atividade hermenêutica, há de tornar efetiva a reação do Estado na prevenção e repressão aos atos de preconceito ou de discriminação praticados contra pessoas integrantes de grupos sociais vulneráveis (p.101) 
A fim de evitar o argumento de que estaria indevidamente a produzir uma nova lei, destaca que o "procedimento hermenêutico" não se confunde com "o processo de elaboração legislativa" (p. 92). Também não se trata de "aplicação analógica (e gravosa) das normas penais", proibidas pelo direito penal (p. 94), ou de "formulação de tipos criminais, nem de cominação de sanções penais" (p. 93).

Então explicita-se a grande contradição de seu voto:
O que estou a propor, como anteriormente acentuei, limita-se à mera subsunção de condutas homotransfóbicas aos diversos preceitos primários de incriminação definidos em legislação penal já existente (a Lei n° 7.716/89, no caso), na medida em que atos de homofobia e de transfobia constituem concretas manifestações  de racismo, compreendido este em sua dimensão social: o denominado racismo social (p. 95).
Ora, mais uma vez precisamos ressaltar a incoerência: se o magistrado tão somente está a realizar a subsunção de condutas homofóbicas aos crimes de racismo, então não poderia admitir a existência de uma lacuna.

Por outro lado, seu recurso à interpretação "conforme a Constituição" para atualizar a noção de racismo é genérica. Abre-se espaço para a entrada de uma perspectiva ética que amplia o significado da palavra, mas cuja presença nas normas constitucionais não se demonstra pontualmente.

Mais uma vez devemos citar Tércio Sampaio Ferraz Júnior, em seu mencionado texto:
...pode-se dizer que os procedimentos jurídicos de sistematização e interpretação, nas sociedades contemporâneas, não visam mais inteiramente àquela congruência rígida de normas constitucionais, mas passam a buscar uma legitimação social, propiciada pela real efetivação dos direitos em vista de uma consecução prospectiva. (...) 
...os direitos constitucionalmente estabelecidos não são regras (conteúdos normativamente declarados), mas princípios em eventual conflito e, por isso, objeto de ponderação, não de subsunção. Do que resulta uma concepção de direito como uma prática social confiada aos aplicadores, uma prática de interpretação e argumentação de que se devem dar conta todos os operadores do direito e que põe em questão a distinção entre ser e dever ser, o direito como fato e como norma.
O Ministro Celso de Mello recorre à Constituição em busca de princípios genéricos que justifiquem seu raciocínio interpretativo de uma norma legal. Quando ele fala em subsunção, não se trata de um silogismo constitucional, mas de justificar o alargamento do tipo penal com base naqueles princípios.

Em resumo, podemos ver que o STF foi chamado a cumprir seu papel político, tentando suprir a omissão legislativa do Congresso relativamente à criminalização da homofobia. O relator do caso, Ministro Celso de Mello, proferiu um voto contraditório do ponto de vista lógico, afirmando existir uma lacuna mas, em seguida, defendendo que o crime de homofobia está contido no crime de racismo. Para essa defesa, baseado em princípios constitucionais, reformulou o entendimento de "racismo", buscando dar eficácia à proteção dos grupos LGBT.


Se olharmos para o caso com a perspectiva de um jurista tradicional, veremos um magistrado imbuído de ativismo judicial a invadir o espaço da política para encontrar um modo de dar eficácia a direitos fundamentais ainda que sacrificando a coerência lógica e a segurança jurídica. Talvez, contudo, essa perspectiva já não reflita a realidade do direito brasileiro.

Resgatemos, para finalizar, o artigo 8° do CPC de 2015:
Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
A legalidade, nesse artigo, foi deslocada a apenas mais um princípio, em meio a outros, e depois do atendimento aos "fins sociais" e ao "bem comum", a ser respeitado no momento de aplicação do direito.

Faces do Governo e a tramitação da Reforma da Previdência

A cenográfica entrega ao Congresso do projeto de Reforma da Previdência pelo Presidente Bolsonaro e sua equipe inspirou dois jornalistas a publicarem análise similar na edição de hoje (21/02/19) do jornal O Globo.

Merval Pereira e Carlos Alberto Sardenberg convergem na dúvida a respeito de qual face do governo Bolsonaro irá prevalecer: a face "séria" dos Projetos (a "Nova Previdência" e o Projeto Moro), ou a face do "Antagonismo Permanente"?
Ambos mostram predileção pelo lado "sério" do governo. Merval desqualifica duramente a face do antagonismo permanente:
...governo prejudicado por deficiências do presidente e da visão medíocre de grande parte dos ministros, que seguem a linha ideológica radicalizada que o próprio e seus filhos impõem em certas questões.
 Acrescenta que se trata de uma face em que a "direita extremista" daria "as cartas em setores importantes". Outro analista, Celso Rocha de Barros, na edição de 18/2/19 do jornal Folha de S.Paulo, formulou leitura similar e qualificou esse lado de "Olavistas", em referência ao ideólogo do grupo:
A briga entre Carlos Bolsonaro e Gustavo Bebianno foi uma disputa entre a facção do bolsonarismo que depende do clima de campanha permanente e a facção que quer começar a funcionar como governo normal, no bom e no mau sentido.
No mesmo jornal, na edição de hoje (21/02/2019), Jânio de Freitas aponta outro conflito ligado a essa categorização: Bolsonaro e os militares. Referindo-se ao desfecho do caso Bebianno, afirma que "o batalhão de generais na cúpula do governo cresceu", "mas seu poder político enfraqueceu".

Nesse episódio, Bolsonaro, ao alinhar-se com o filho Carlos, colocar-se-ia "acima da tutela dos generais, o que era imprevisto e significa uma diminuição deles", negados "como força que compartilha o poder". Voltando às categorias acima, teria ocorrido um alinhamento de Bolsonaro com os Olavistas e um enfraquecimento do "governo normal".
Aqui precisamos retornar à entrega do Projeto de Reforma da Previdência. Num ambiente de normalidade, o Congresso simplesmente daria início a sua tramitação, formulando as rotineiras emendas e aprovando-o ao final.

Neste início de governo, todavia, muitos são os riscos:

  1. A tramitação demorar mais do que deveria; 
  2. As modificações descaracterizarem o projeto inicial;
  3. O projeto não ser aprovado.
A governabilidade de Bolsonaro, que implica harmonia com o Congresso, ainda não foi suficientemente testada. Ou pior: foi reprovada em duas situações ontem (21/2/19), com o convite de Bebianno a depor na Câmara e a anulação do decreto que ampliava o sigilo de documentos estatais.

Desse modo, a crise se apresenta no horizonte, ameaçando aquela que é considerada uma das principais agendas positivas do governo. A não aprovação da "Nova Previdência" pode significar perda de apoio, pelo Presidente, dos setores neoliberais da sociedade, bem como de parte da classe média, comprometendo ainda mais a governabilidade que não se construiu.

A arma do governo para viabilizar essa aprovação parece ser, por ora, a mesma dos governos anteriores: distribuição de cargos e de verbas aos partidos. Bernardo Mello Franco, na edição de hoje (21/02/19) do jornal O Globo, afirma que o projeto "foi recebido com frieza". Acrescenta que os parlamentares "vão aproveitar o momento para forçar um acerto de contas com o Planalto": 
Segundo o presidente de um partido médio, a ideia é que cada deputado novato tenha direito a indicar R$ 7,5 milhões em obras e repasses federais. Para os reeleitos, a cota seria de R$ 10 milhões.
Reportagem da mesma edição do jornal, intitulada "Líderes do Governo" (Amanda Almeida, Bruno Góes e Karla Gamba), afirma que a liberação de emendas parlamentares e o atendimento a indicações para cargos do segundo e terceiro escalões serão acelerados. Inclusive, os presidentes da Câmara (Maia) e do Senado (Alcolumbre) teriam almoçado com Onyx Lorenzoni (chefe da Casa Civil) e o Major Vitor Hugo (líder do PSL) para revelar a "ansiedade de parlamentares pela participação no governo".

O jornal O Estado de S.Paulo, na reportagem "Governo cria canal para nomeações no 2° escalão" (21/02/19, Vera Rosa, Mariana Haubert e Camila Tuartelli), informa que, segundo o Painel Estatístico de Pessoal, do Ministério da Economia, haveria 74.223 vagas em repartições federais nos Estados, suscetíveis de serem repartidas.


Voltando à reportagem d'O Globo, Lorenzoni e o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que assumiu a secretaria da presidência justamente no lugar de Bebianno, serão os responsáveis por avaliar a competência dos nomes indicados pelos parlamentares.

E aqui regressamos ao início do nosso texto. Trocar a aprovação de projetos por cargos e verbas é a essência do velho presidencialismo de coalizão. Parece parte necessária para a governabilidade, mas pode facilmente se converter em algo nocivo para a sociedade.

Haverá mesmo controle nessa indicação para cargos de segundo e terceiro escalões? Ou estaremos às vésperas de mais um capítulo nebuloso no governo, a ser acobertado pela ideologia Olavista e falsas agendas positivas? Em última instância, qual face do governo, visando à aprovação da "Nova Previdência", irá controlar essa distribuição?