Prisão de Temer pode favorecer Bolsonaro ao prejudicar a reforma da Previdência

A popularidade do presidente Bolsonaro está em acentuada queda neste início de governo. Da redemocratização para cá, sempre que isso ocorreu as coisas não terminaram bem para o presidente: Collor e Dilma foram cassados, Temer não conseguiu governar e agora termina preso.
Sérgio Abranches, cientista político criador do termo "presidencialismo de coalizão" para designar nosso jeito de governar, explica o papel que o presidente deve cumprir:
O presidente é, ao mesmo tempo, meio de campo e atacante. Ele precisa organizar as jogadas, a partir do meio de campo. Isso, no jogo político, significa organizar a coalizão majoritária pelo centro para poder governar. Ele forma e articula a coalizão. Mas, uma vez obtido esse apoio político, precisa manter a ofensiva e mostrar quem é o capitão do time. Comando e iniciativa. Isso é coisa de presidente. É o que requer o presidencialismo. Ao mesmo tempo, precisa ter flexibilidade e habilidade para negociar com o Congresso, encontrar o ponto de entendimento comum em cada matéria. Coisa de político. É o que requer a coalizão. (Abranches, Sérgio. Presidencialismo de coalizão. Companhia das Letras. Edição do Kindle, pos. 151)
Assim, conforme o estudioso, o presidente precisa de "comando e iniciativa", de um lado, mas, ao mesmo tempo, "flexibilidade e habilidade para negociar com o Congresso". Justamente um ponto de união entre essas características é a popularidade: se o presidente é popular, pode comandar e negociar com mais facilidade. Devolvendo a palavra a Abranches, sobre a popularidade:
Ela põe em risco a coalizão governista, iniciando um ciclo de fuga do centro ocupado pelo presidente, de afastamento, que tende a levar à paralisia decisória e provoca tentativas de restauração da coalizão por meio de reformas de ministério, sempre problemáticas. Como se viu na narrativa acima, em todos os momentos de queda forte de popularidade surgiram iniciativas que ameaçavam o mandato presidencial, entre elas pedidos de impeachment. Quando altos índices de impopularidade se deram num ambiente de grande desconforto econômico, com recessão e inflação e expectativas pessimistas, o risco para a governabilidade foi sempre muito elevado. Em ambientes como esse ocorreram os dois impeachments da Terceira República. (Abranches, Sérgio. Presidencialismo de coalizão . Companhia das Letras. Edição do Kindle, pos. 7425)
Dentro da linha de raciocínio exposta, a falta de popularidade pode iniciar um movimento fatal para o presidente, principalmente se acompanhada de "desconforto econômico" e "expectativas pessimistas". Quando essas coisas apareceram juntas no presidencialismo de coalizão, o resultado foi o impeachment (Collor e Dilma).

Bolsonaro encontra-se em uma sinuca: assumiu a presidência prometendo romper o presidencialismo de coalizão, não conseguiu e parece perder a popularidade necessária para recuar e instaurá-lo. Conforme pesquisa do Ibope, reproduzida pelos jornais O Globo e o Estado de S.Paulo (21/3/19), entre outros, o índice de avaliação do governo "bom/ótimo" caiu de 49% em início de janeiro, para 34%. Ao mesmo tempo, a avaliação "ruim/péssima" subiu de 11% para 24%, ou seja, 1/4 dos entrevistados.


Para piorar, dois outros índices caíram: aqueles que aprovam o presidente foram de 67% para 51% e aqueles que confiam nele, de 62% para 49%. Aí reside o pior dos números: 44% dos entrevistados não confiam mais em Bolsonaro (e 38% não o aprovam). Comparativamente, o destaque continua negativo: Bolsonaro, comparado ao primeiro governo de FHC, Lula e Dilma, tem os piores índices de avaliação para este momento.

As más notícias para Bolsonaro não pararam em sua perda precoce de popularidade. A divulgação das pesquisas ocorreu em meio a um poderoso embate entre alguns ministros do STF e os profissionais envolvidos na Lava Jata, decorrendo da decisão que reconheceu a competência da justiça eleitoral para julgar casos de "caixa 2", e de incapacidade do governo para negociar com os partidos políticos a tramitação da reforma da presidência.

Em meio a esse contexto negativo ocorre a prisão do ex-presidente Michel Temer. Não é meu objeto entrar no mérito da prisão (se correta ou não, se oportuna ou não), mas apenas refletir sobre seu impacto na governabilidade. A questão é: Bolsonaro conseguirá transformar essa prisão em um ponto positivo para seu governo?

O panorama atual, dentro do contexto citado, é o seguinte: há uma ideia disseminada pela equipe econômica de que a reforma da previdência é necessária para melhorar a economia (que, por sua vez, dará mais força ao presidente). Todavia, como mostrado, a queda de popularidade do presidente e sua inabilidade traçam uma perspectiva de reprovação ou de profunda modificação no projeto apresentado.

Em artigo publicado hoje nos jornais O Globo e o Estado de S.Paulo (22/3/19), Rogério Furquim Werneck apresenta isso:
O certo é que, para viabilizar uma reforma da Previdência que possa de fato sinalizar mudança substancial e convincente do atual regime fiscal, o governo terá de conseguir aprovar grande parte da proposta que encaminhou ao Congresso. E a verdade é que, por enquanto, o Planalto ainda parece muito longe de ter garantido o apoio parlamentar que se fará necessário para aprovar uma reforma desse fôlego.
Mas a situação é mais complexa. Ainda que o discurso da equipe econômica de Bolsonaro sirva para convencer parcela importante da sociedade, alinhada às ideias neoliberais do ministro, a reforma da previdência apresentada é, por si, impopular. Conforme publicado pelo Correio do Povo, pesquisa realizada pela empresa RealTime Big Data mostrou que 52% dos entrevistados desaprovam a reforma e apenas 36% aprovam.

Talvez o melhor dos mundos para a presidência seja ver seu projeto de reforma reprovado ou "prejudicado" pelo Parlamento. Se isso ocorrer, Bolsonaro pode justificar-se perante o estrato social que apoia a reforma dizendo que a culpa é do Parlamento e pode evitar desgastes ainda maiores a sua popularidade. Para tanto, é necessário deflagar guerra aos deputados e senadores. A prisão de Temer surge no momento oportuno.

Os jornalistas Ricardo Galhardo e Daniel Weterman (O Estado de S.Paulo, 22/3/19) afirmaram que "o presidente Jair Bolsonaro usou a prisão do ex-presidente Michel Temer como exemplo para rejeitar a 'velha política' e defender um novo tipo de convívio com os parlamentares". Citam o presidente dizendo que Temer foi preso por trocar a governabilidade por "cargos, ministérios e estatais". Em outras palavras, já que Bolsonaro não consegue instaurar o presidencialismo de coalizão que favoreça seu grupo, quer deslegitimar toda forma de negociação com o Congresso.

Obviamente que a reação é imediata e desejada. Escreve Renato Onofre (O Estado de S.Paulo, 22/3/19):
Deputados e senadores viram na prisão de Michel Temer mais uma tentativa de desgaste da classe política com a opinião pública e diante de pressões das redes sociais. Mesmo parlamentares que fizeram oposição à gestão de Temer criticaram a ação da Polícia Federal, classificada por eles como “populismo penal” da Lava Jato.

A acusação dos congressistas de "populismo penal" da prisão de Temer é corroborada por Míriam Leitão (O Globo, 22/3/19):
Nessa onda surfou o grupo político do presidente Bolsonaro, tentando de novo manipular politicamente a luta contra a corrupção, em manifestações e agressões nas redes, como fez durante a campanha eleitoral. Nenhum grupo político, muito menos o do atual governo, é dono desta luta, porque no dia que for, aí sim acabou a Lava-Jato. O fato de o ex-juiz Sérgio Moro ter virado ministro, não deu ao governo um selo de qualidade.
Podemos ver, nesse sentido, dois resultados buscados por Bolsonaro a partir da prisão de Temer:

  1. A incitação dos parlamentares para o desmanche da reforma da previdência;
  2. A revalorização do eixo anticorrupção, materializado na Lava Jato e em Sérgio Moro, que pode resgatar parte do apoio popular perdido.
A popularidade trazida a Bolsonaro pelo eixo anticorrupção estava em baixa. Os escândalos internos ao PSL, as suspeitas da ligação da família Bolsonaro com as milícias e a falta de novas ações espetaculares colocavam Sérgio Moro em uma obscuridade perigosa para o governo. O momento para a prisão de Temer parece oportuno para abafar ainda mais esses elementos detratores e recolocar o holofote em Moro. Vladimir Safatle parece notar isso (Folha de S.Paulo, 22/3/19) sobre a prisão:
Algo absolutamente previsível a partir do momento em que o desgoverno atual começasse a naufragar. Trata-se de usar do mais crasso Sistema de foco em politicos escolhidos a dedo e de “esquecimento” de escândalos dentro do próprio governo.
Na linha proposta pelo filósofo, Bolsonaro aposta no "aprofundamento da guerra civil" para se manter no poder. Seu estilo de governo depende da indicação constante de inimigos a seus grupos de seguidores, a fim de que coloquem a opinião pública contra eles. Exatamente aqui entra o uso político da prisão de Temer com a provocação aos congressistas e o resgate da Lava Jato.

O perigo dessa estratégia, cujo principal resultado é o resgate da popularidade que traria condições para instaurar as coalizões em situação mais favorável ao governo, reside na força dos grupos que desgasta: estratos sociais pró-reforma, militares, parlamentares e os ministros dos tribunais superiores. Obviamente que os estratos sociais anticorrupção, adeptos do discurso da segurança pública e adeptos da ideologia conservadora de Olavo de Carvalho fortalecem seu apoio ao presidente. Mas estão em posições no estado menos estratégicas do que os outros.

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