O que vai acontecer no Governo Lula?

Seja pelo momento, seja pelo perfil político da bolha progressista que deve voltar ao poder em 2023, podemos imaginar o curso em que seguirá o terceiro Governo Lula.

O primeiro passo será consolidar o controle do poder ameaçado pelos jagunços digitais da bolha tradicionalista. Para tanto, algumas alianças serão feitas e poucos movimentos ousados serão tentados.

Os coronéis esclarecidos retomarão seu cotidiano violento de gerir os espaços públicos com citações em língua estrangeira, camuflando suas posições de beneficiários do sistema com o velho discurso liberal. O bacharelismo voltará, tentando impor sua "ciência" aos "incultos".

Haverá um incentivo ao capitalismo hipócrita, estilo ESG, preconizando-se a preocupação com "stakeholders" enquanto se impõe a lógica do desempenho precarizado à maioria dos obsoletos trabalhadores e não se toca no tema distribuição de riquezas.

Se houver alguma proteção contra a destruição ambiental, haverá, por outro lado, a invenção e a utilização de formas mais modernas para degradar o planeta.

Graças às necessárias políticas de renda mínima, a projetos educacionais e a outros programas sociais, a desigualdade social cairá um pouco. Novos grupos ascenderão para esbarrar nos estreitos limites de nossa economia, cujo sinal amarelo acenderá ante a menor ameaça de mudança estrutural.

Os limites do consumismo incentivado pelo microcrédito serão testados, ampliando ainda mais o endividamento privado das famílias. O ópio das compras será neutralizado pelo desespero das dívidas.

A reindustrialização esbarrará no desinteresse das elites agrária e financeira, bem como na falta de capacitação da mão de obra. O investimento da indústria digital poderá ser um caminho, mas as bolhas podem estourar.


Caso a saúde de Lula não permita disputar a reeleição, sua sucessão será tema recorrente a partir do terceiro ano de mandato. Coronéis esclarecidos disputarão à tapa o posto, abrindo espaço para o retorno da jagunçada digital.

O grande projeto petista a ser tentado, novamente, será da transformação lenta e gradual da sociedade brasileira, diminuindo a desigualdade a conta-gotas.

Todavia, esse processo precisará, primeiro, recuperar o terreno perdido desde a derrubada de Dilma, quando começa o retrocesso social. Depois, caso consiga recuperar, a marcha rumo à igualdade precisará ser longa e contínua, podendo esbarrar na falta de sucessor a Lula.

Mesmo que haja esse(a) sucessor(a), os coronéis não esclarecidos (e mesmo os esclarecidos) costumam ficar arrepiados ante a ameaça de perderem seus benefícios injustos de nossa sociedade horrorosa. Formar-se-á nova aliança que retomará a marcha destrutiva do bolsonarismo, encerrando outro ciclo lulista. 

O resultado da eleição norteamericana é um alerta

Ao contrário de muitos, discordo que o resultado das eleições norteamericanas de 8/11/22 tenha sido ruim para os Republicanos ou para o Trumpismo em si.

Precisamos considerar que Trump saiu há quase dois anos da Presidência, deixou o centro dos holofotes da bolha progressista encabeçada pelo NY Times e outros órgãos de imprensa, mas continuou tão relevante a ponto de impor uma derrota nas urnas ao partido Democrata e ao atual Presidente, Biden.

Mesmo que haja um empate em 50 Senadores progressistas e 50 Senadores Republicanos, precisamos lembrar que o voto de desempate é do vice-Presidente. Ou seja, quem levar a Presidência leva a maioria da Casa.

Ainda que a representação Republicana na Câmara dos Deputados seja menor do que a esperada, tende a ser majoritária (escrevo antes do término da apuração e há a possibilidade remota de maioria democrata). O controle dessa Casa dará ampla margem de ação se o partido reconquistar a Presidência.


Reputo que Biden faz um governo um pouco acima das expectativas. Implementa projetos sociais, socorre os mais pobres, investe em infraestrutura e tenta promover o crescimento do país. Ou seja, faz tudo como parece que Lula fará por aqui.

Todavia, um governo "correto" não bastou para conter ou eliminar as ameaças antidemocráticas do Trumpismo. Ao contrário, elas seguem fortes e ligeiramente majoritárias na eleição.

Este é o sinal de alerta para cá, relativamente ao Bolsonarismo.

Fica a convicção de que esses fenômenos de massa com ideais de extrema direita decorrem de problemas estruturais que não são solucionáveis nem por governos "corretos".

As mudanças tecnológicas dos últimos anos, levando à consolidação de uma nova ordem baseada nas redes sociais e nos algoritmos, causa um rearranjo no campo das forças sociais que talvez não possa ser contido pelo Estado nacional.

A bolha tradicionalista não existe por uma "falha" do Estado, mas existe independentemente dele. Tentar conter sua existência por meio de políticas públicas talvez seja acreditar na volta de uma sociedade que desapareceu.

O que vai acontecer com Bolsonaro?

 O que vai acontecer, politicamente falando, com Bolsonaro quando deixar a Presidência?

Antes de trazermos algumas hipóteses, convém entender o que pode acontecer com a "bolha tradicionalista" formada em torno de sua atuação como Presidente e, depois, como candidato.


Analisando-se os resultados das eleições parlamentares e para os governos estaduais, partidos ligados ao movimento evangélico, ao centrão e ao agronegócio conquistaram posições importantes. A tendência é que não apoiem uma oposição bolsonarista, aderindo ao governo ou a outros nomes.

Avançando nas possibilidades, para desenharmos o pior cenário para Bolsonaro, os Lavajatistas, com ambições próprias, buscam novamente um caminho isolado e os Militares (sobretudo da ativa), dado o apoio das potências mundiais ao novo governo, silenciam.


Restará, assim, a Bolsonaro, dois grupos que sempre foram considerados "raízes":
  1. Grupo heterogêneo de pessoas com personalidade autoritária, com frustrações diversas e com armas nas mãos; 
  2. Grupo de simpatizantes ligados à direita global e a movimentos tradicionalistas, geneticamente bolsonaristas (na versão que emerge a partir de 2016).
Nesse sentido, Bolsonaro e aqueles mais próximos a ele continuariam liderando um partido digital, que se estrutura em redes sociais de propriedade de empresas privadas globais.


Qual o tamanho dessa liderança (em termos populacionais) e qual seu poder?

Muito dessa resposta virá da análise dos resultados das eleições norteamericanas que ocorrem agora em novembro. Lá, o cenário é muito parecido com cá: Trump perdeu por pouco as eleições presidenciais e continuou bastante influente em seu partido digital.

Podemos, de qualquer modo, especular que 20 a 30% da população brasileira continue cegamente fiel a Bolsonaro. Trata-se de um contingente considerável, capaz de fazer dele uma influência política em qualquer eleição e uma ameaça à democracia.

Em 2023, portanto, Bolsonaro começa, mesmo nesse pior cenário para ele, com um poder bastante elevado.

A tendência é que utilize seu partido digital para mobilizar constantemente seus seguidores. Para tanto, recorrerá a técnicas de marketing político, plantando dúvidas que somente viram certeza após uma reflexão dos correligionários.

E essas dúvidas levarão à constatação de que existem inimigos do verdadeiro povo brasileiro (bolsonarista), os quais precisam ser combatidos de qualquer maneira.

Quão bem sucedido será Bolsonaro?

O êxito de um partido digital depende da "boa vontade" das empresas privadas globais cujos algoritmos impulsionam postagens com conteúdo antidemocrático, mentiroso ou odioso.

Quando o partido digital é pequeno, com poucos seguidores, depende de um investimento inicial para crescer. Depois de um certo ponto, basta entender o algoritmo e o crescimento torna-se orgânico.

No caso do Bolsonarismo, pode ser que seu partido digital já tenha atingido o patamar do orgânico, tornando-se razoavelmente "barato" de operar.

Caso isso tenha ocorrido, o sucesso de Bolsonaro estará ligado apenas ao compromisso das citadas empresas privadas com a legislação brasileira: se elas derem espaço à máquina bolsonarista, ela continuará crescendo.

Bolsonaro será preso?

Esta questão está intimamente ligada às anteriores. Inegavelmente há razões jurídicas para Bolsonaro ser preso ou tornar-se inelegível. Mas, o direito nunca anda desconectado da política.

Por mais que o STF e o TSE tenham mostrado muita força, coibindo atos antidemocráticos, essa força nunca foi maior do que podia ter sido. Há uma linha entre o silenciamento promovido pelas instâncias jurídicas e o indesejável efeito oposto, de amplificar as agitações sociais.

Caso Bolsonaro seja bem sucedido em 2023 e fortaleça ainda mais sua bolha, não haverá condições sociais para sua prisão ou para ser considerado inelegível. É com isso que ele conta.

Deus, Pátria, Família e Liberdade" é um ideal fascista

Em postagem anterior, mencionei que o lema bolsonarista "Deus, Pátria, Família e Liberdade" era fascista. Alguns ótimos interlocutores, com quem tenho divergências políticas, questionaram, de modo bastante plausível, a alegação.

Por questões de adequação ao meio (redes sociais), não farei aqui considerações etimológicas ou históricas sobre o termo "fascismo". Considero-o sinônimo de autoritarismo.

Quando se defendem as quatro palavras iniciais no singular, articula-se um discurso que naturaliza uma determinada visão de mundo e exclui todas as outras, caracterizando-se o ponto de vista fascista.

Assim, proclama-se "Deus" como se todas as religiões fossem ou devessem ser monoteístas e como se o "correto" fosse seguir o Deus cristão.

Religiosidades diversas, politeístas ou não cristãs, ou, ainda, o ateísmo, são excluídos e passam a ser considerados estranhos.

A palavra "Família" é utilizada como sinônimo de uma composição familiar idealizada durante o século XIX, com papéis e gêneros especificados por traços culturais.

Outras estruturações familiares, com papéis e gêneros diversificados, são reputadas indesejáveis do ponto de vista moral e responsabilizadas pela decadência dos costumes.

A palavra "Pátria" é utilizada com um caráter complementar a "nação", em sentido europeu, conforme delineada a partir do século XVIII. Considera que pessoas com traços culturais comuns devem viver juntas e repelir outras que ameacem essa união.

Assim, pessoas de outras pátrias não devem viver entre "nós", ou, no máximo, devem viver em condição inferior, aceitando essa pretensa inferioridade.

Ideias que questionam a desigualdade social ou a posição de mando de determinadas autoridades são consideradas como não patriotas e que foram "importadas" por pessoas que deveriam abandonar o país.

Por fim, "Liberdade" é utilizada em um sentido libertário, por um lado, como a possibilidade de manifestar qualquer pensamento, ainda que seja um discurso odioso cujo alvo sejam pessoas que não sigam "Deus", ameacem a "Família" ou não se enquadrem na "Pátria".

Por outro, é utilizada em um sentido econômico, similar a livre iniciativa (para os ricos) ou empreendedorismo (para os pobres).

Em um ambiente de precarização e de neoliberalismo, a "Liberdade" em sentido econômico é um apelido cruel à uberização e à necessidade de labuta incessante. Considera que o Estado atrapalha o cotidiano de luta, ao invés de considerá-lo um garantidor de direitos.

Essa "Liberdade" econômica oculta, portanto, a falta de igualdade e a perda de direitos das pessoas. Condena os defensores da intervenção estatal e da tributação como inimigos, naturalizando uma ordem capitalista cruel que amplia as desigualdades e a concentração de riquezas.

Portanto, se você quiser utilizar essas palavras, passe a usar no plural e combinada com outras: "Deuses; Pátrias e Pessoas; Famílias; Liberdade e Igualdade". Caso não consiga usá-las assim, cuidado: sua personalidade é autoritária.

A lógica bolsonarista é plantar a dúvida: o primeiro pronunciamento presidencial após a eleição

Em seu primeiro pronunciamento após o resultado da eleição, o Presidente Bolsonaro seguiu à risca a estratégia de uma comunicação voltada à sociedade dividia em duas bolhas: plantar mais dúvidas do que certezas.

Afirma que os movimentos populares atuais derivam de "indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral". Não explica quais teriam sido as razões para esse sentimento, dando a entender que seriam legítimas.

Depois, afirma que esses protestos devem ser pacíficos e não adotar os métodos "da esquerda", ou seja, deveriam respeitar outros direitos, sobretudo o de "ir e vir".

Destaca a representação conquistada pela Direita no Congresso, lembrando seus ideais fascistas: "Deus, Pátria, Família e Liberdade".

Afirma ser pela "ordem e pelo progresso", superando as adversidades causadas pelo "sistema", pela pandemia e por uma Guerra.


Menciona ser rotulado de "antidemocrático", mas sempre jogar "dentro das quatro linhas da Constituição", nunca falando em censurar a mídia ou as redes sociais.

Diz que cumprirá todos os mandamentos da Constituição, lembrando que defende as liberdades, a honestidade e as cores da bandeira. Encerra aqui sua fala.

Trata-se de um discurso exemplar quanto aos mecanismos contemporâneos de convencimento "pelo aprendizado" dos seguidores de redes sociais: conciso, direto e repleto de duplos sentidos, propiciando discussão e muitas vias de interpretação.

Vejamos:

  • Os protestos contra a ordem democrática são justificados pela liberdade constitucional, devendo ser pacíficos;
  • A Direita que conquistou postos eletivos é saudada com o ideal fascista;
  • Afirma ter superado adversidades mesmo contra o "sistema" e nunca ter pensado em censurá-lo (sem dizer que não teria poder para tanto);
  • Por fim, afirma que cumprirá todos os mandamentos da Constituição, sem especificar quais e nem qual a interpretação deles (lembrando que, com base na Constituição, justifica a intervenção militar).

A partir das "pistas" deixadas por sua fala, Bolsonaro espera que sua bolha construa uma versão bélica de seu discurso.