Em postagem anterior, mencionei que o lema bolsonarista "Deus, Pátria, Família e Liberdade" era fascista. Alguns ótimos interlocutores, com quem tenho divergências políticas, questionaram, de modo bastante plausível, a alegação.
Por questões de adequação ao meio (redes sociais), não farei aqui considerações etimológicas ou históricas sobre o termo "fascismo". Considero-o sinônimo de autoritarismo.
Quando se defendem as quatro palavras iniciais no singular, articula-se um discurso que naturaliza uma determinada visão de mundo e exclui todas as outras, caracterizando-se o ponto de vista fascista.
Assim, proclama-se "Deus" como se todas as religiões fossem ou devessem ser monoteístas e como se o "correto" fosse seguir o Deus cristão.
Religiosidades diversas, politeístas ou não cristãs, ou, ainda, o ateísmo, são excluídos e passam a ser considerados estranhos.
A palavra "Família" é utilizada como sinônimo de uma composição familiar idealizada durante o século XIX, com papéis e gêneros especificados por traços culturais.
Outras estruturações familiares, com papéis e gêneros diversificados, são reputadas indesejáveis do ponto de vista moral e responsabilizadas pela decadência dos costumes.
A palavra "Pátria" é utilizada com um caráter complementar a "nação", em sentido europeu, conforme delineada a partir do século XVIII. Considera que pessoas com traços culturais comuns devem viver juntas e repelir outras que ameacem essa união.
Assim, pessoas de outras pátrias não devem viver entre "nós", ou, no máximo, devem viver em condição inferior, aceitando essa pretensa inferioridade.
Ideias que questionam a desigualdade social ou a posição de mando de determinadas autoridades são consideradas como não patriotas e que foram "importadas" por pessoas que deveriam abandonar o país.
Por fim, "Liberdade" é utilizada em um sentido libertário, por um lado, como a possibilidade de manifestar qualquer pensamento, ainda que seja um discurso odioso cujo alvo sejam pessoas que não sigam "Deus", ameacem a "Família" ou não se enquadrem na "Pátria".
Por outro, é utilizada em um sentido econômico, similar a livre iniciativa (para os ricos) ou empreendedorismo (para os pobres).
Em um ambiente de precarização e de neoliberalismo, a "Liberdade" em sentido econômico é um apelido cruel à uberização e à necessidade de labuta incessante. Considera que o Estado atrapalha o cotidiano de luta, ao invés de considerá-lo um garantidor de direitos.
Essa "Liberdade" econômica oculta, portanto, a falta de igualdade e a perda de direitos das pessoas. Condena os defensores da intervenção estatal e da tributação como inimigos, naturalizando uma ordem capitalista cruel que amplia as desigualdades e a concentração de riquezas.Portanto, se você quiser utilizar essas palavras, passe a usar no plural e combinada com outras: "Deuses; Pátrias e Pessoas; Famílias; Liberdade e Igualdade". Caso não consiga usá-las assim, cuidado: sua personalidade é autoritária.
Comentários
Postar um comentário