As eleições continuam: robôs bolsonaristas funcionam a todo vapor

Confirmada a vitória da bolha progressista sobre a bolha tradicionalista, é natural que a primeira comemore. Há dúvidas quanto às reações da bolha tradicionalista.

Composta por grupos heterogêneos porém unidos pelo bolsonarismo, a reação pode ser diferente para cada um desses segmentos, causando inédita fissura na bolha.

Os grupos evangélicos conquistaram vários postos nas eleições, sendo o governo do Estado de São Paulo, pelo partido Republicanos, ligado a uma dessas igrejas, o mais significativo.

Parece pouco provável que embarquem em algum movimento de contestação ao resultado das eleições no segundo turno, pois isso implicaria um questionamento aos próprios resultados favoráveis.

Os grupos ligados ao agronegócio conquistaram vários governos no Centro Oeste e no Norte, também não devendo embarcar numa onda contestatória às urnas eletrônicas.

As Forças Armadas estão silenciosas e esse silêncio, nessa altura, é sinal de que tendem a referendar o resultado eleitoral.


Dúvidas pairam sobre outros grupos armados e sobre o outrora designado "Gabinete do Ódio", que corresponde ao grupo ideológico mais radical, ligado aos movimentos globais de direita e bastante competente no uso de instrumentos de comunicação digital.

Esse grupo ideológico está bastante ativo nas redes sociais, direcionando seus robôs digitais e seus "robôs humanos" a disseminarem postagens dentro da bolha progressista.

Algumas dessas postagens foram infelizes, indicando que o país estaria de luto pela derrota de Bolsonaro. Imediatamente geraram indignação e uma reação dizendo que o luto é pela COVID, não pela derrota eleitoral.

Mas o grupo ideológico é bastante rápido e capaz de recalibrar seus "guerrilheiros digitais" com eficácia.

Nesse jogo, é preciso desvendar a reação que se pretende causar no adversário, para reagir de outro modo, neutralizando a ação pretendida.

Durante as eleições de domingo, por exemplo, houve uma tentativa, por parte desse grupo da bolha tradicionalista, de fazer a bolha progressista dizer que havia fraude nas eleições. Foram plantadas notícias de atuação da Polícia Rodoviária Federal com o intuito de gerar esse movimento. Todavia, a bolha progressista não "caiu" na cilada.

De todo modo, a atuação dos robôs digitais tem sido, como dito, das mais intensas.

Várias postagens que escrevi há algum tempo estão recebendo comentários neste momento, sempre desfavoráveis a Lula e favoráveis a Bolsonaro.

Ainda não é possível identificar a estratégia pretendida. Precisamos comparar nosso caso à eleição norteamericana de 2020, pois o grupo ideológico pode clonar os passos seguidos por Trump, com algumas adaptações.

Lá, o foco foi a alegação de fraude eleitoral com a mobilização para ocupar o Capitólio. Aqui, podemos ter uma mobilização para invadir o TSE ou para inviabilizar a posse de Lula, por exemplo. 

Todas as hipóteses precisam ser consideradas, uma vez que o grupo ideológico é capaz de instigar as massas bolsonaristas.

Bolsonarismo precisa esperar o resultado da apuração para impulsionar potencial alegação de fraude

Por mais que as pesquisas indiquem a liderança de Lula, a apuração amanhã pode não consumar sua vitória. Consideremos três hipóteses:

1. A abstenção maior entre os eleitores lulistas prejudica seu desempenho e possibilita a vitória de Bolsonaro.

Essa abstenção, inclusive, dadas as notícias recentes, pode ser amplificada pelas ameaças de empresários e outros crimes eleitorais não detectados.

2. As amostras dos institutos de pesquisa, dada a falta de novo Censo, estão imprecisas e suas estimativas viciadas.

Nesse caso, Bolsonaro estaria na frente de Lula, considerando-se o erro amostral, vindo a vencer as eleições.


3. Embora Lula esteja na frente das pesquisas, entre hoje e amanhã ocorrem episódios "virais" que convencem eleitores indecisos, brancos e nulos, além de inverter alguns votos.

Novamente, nessa terceira hipótese, Bolsonaro sairia vencedor, apesar do resultado adverso das pesquisas.

Rigorosamente, nenhuma dessas hipóteses pode ser descartada, levando os bolsonaristas e sua bolha tradicionalista a viverem um impasse.

Como Bolsonaro pode vencer as eleições, seria perigoso e sairia pela culatra um impulsionamento imediato, em massa, de teses questionadoras da idoneidade das urnas eletrônicas.

Em outras palavras, esse impulsionamento poderia gerar a desconfiança de que Bolsonaro  e as Forças Armadas manipularam as urnas eletrônicas e programaram internamente ao sistema do TSE sua vitória.


Por outro lado, se não houver qualquer impulsionamento em massa dessa tese de fraude nas urnas eletrônicas, a tese enfraquece, sobretudo no caso da vitória de Lula.

Se os bolsonaristas esperarem a derrota para esse impulsionamento, ele pode soar como "choro de derrotado" e não convencer muita gente.

O mais provável, assim, é que já exista, nesse caso de derrota bolsonarista, um momento definido para a disseminação da tese.

Analisando-se a apuração do primeiro turno e de outras eleições, como 2014, os Estados bolsonaristas e o DF costumam enviar seus resultados ao TSE com maior rapidez. Assim, a tendência é que Bolsonaro comece a apuração com ampla vantagem sobre Lula.

Essa vantagem, dadas as hipóteses citadas, pode diminuir sem que ocorra a "virada" lulista. Mas, claro, dadas as pesquisas eleitorais, no momento final da apuração pode ocorrer a "virada" e Lula, que ficaria atrás quase 90% do tempo, sairia vencedor.

Caso os bolsonaristas percebam, no final da apuração, que a virada está ocorrendo, será o potencial momento em que haverá a disseminação da tese da fraude, mobilizando sua "tropa".

Autoritarismo econômico

 A economia é o espaço social em que os bens são produzidos e distribuídos. A política econômica consiste na definição de critérios, escolhidos pela sociedade, para produzir e distribuir os bens.

Nesse espaço social, algumas perguntas básicas devem ser respondidas:

  • O que produzir
  • Quem produzir
  • Como produzir
  • Quando produzir
  • Quanto produzir
  • Para quem produzir

Numa sociedade com nível mais aprofundado de democracia, essas perguntas são respondidas por toda a população, de modo deliberativo.

A economia capitalista de mercado forja uma regra (oferta e procura), pretensamente objetiva, a partir da qual as decisões que respondem às perguntas acima são transferidas para indivíduos ou empresas privadas (livre iniciativa e concorrência).


Sob essa falsa objetividade, instaura-se um regime autoritário que submete a esmagadora maioria da população a jornadas desnecessárias de trabalho ou de empreendedorismo, condenando outra parcela à exclusão econômica.

Oculta-se que as perguntas acima são respondidas por pequeno grupo de investidores e por empresas globais que efetivamente definem os rumos econômicos do planeta.

As decisões econômicas tomadas por esse pequeno grupo tendem a estruturar relações econômicas que o favorecem cada vez mais, aumentando a concentração de riquezas.

Com o avanço tecnológico, tal grupo pode desprezar a participação humana do processo produtivo dos bens, precarizando as relações de trabalho.

Aos poucos, com a disseminação de produtos financeiros e de uma economia de acionistas, a massa popular torna-se desnecessária até para o consumo, agravando-se a miséria.

Além disso, como as relações produtivas são estruturadas para favorecer o grupo capitalista, a meritocracia torna-se uma mentira, ocorrendo favorecimentos subjetivos e a perpetuação das classes pela herança.

Níveis de democracia

 Democracia significa que as pessoas participam das decisões mais importantes que interferem em sua vida.

Falando assim, fica evidente que as sociedades não são plenamente democráticas, pois a esmagadora maioria da população vive conforme regras e situações impostas previamente e sobre as quais não deliberaram.

Podemos considerar que há um primeiro nível de democracia, o mais superficial de todos, também o mais amplamente disseminado: a participação na escolha dos representantes  que ocupam postos estatais.

Esse nível materializa-se nas eleições periódicas e, eventualmente, em mecanismos como plebiscitos e referendos. Corresponde à democracia liberal.

O segundo nível de democracia é raro e ocorre na economia. Consiste na participação das pessoas nas decisões relativas ao objeto da produção e aos critérios de distribuição.

Nesse nível econômico, a sociedade decide o que deve ser produzido, por quem, quando e para quem.

No modelo liberal, essa decisão econômica é aberta a poucos, chamados de donos de empresas, acionistas, investidores... O critério para a decisão é subjetivo, focado no lucro, embora seus impactos atinjam a vida de todos.

Há alguns anos, seus defensores argumentavam que não existia uma racionalidade pública melhor do que essa racionalidade denominada de "competitiva". Defendiam, assim, a "livre iniciativa".

O primeiro quarto de século XXI revela o esgotamento desse autoritarismo econômico e a necessidade de efetivação do segundo nível de democracia. Essa economia tem agravado as desigualdades sociais e tornado explícita a falta de meritocracia.

A grande novidade para esse aprofundamento democrático é a digitalização da economia e a disseminação dos algoritmos. Observando-se o comportamento das redes sociais, algoritmos conseguem convencer pessoas a trabalharem gratuitamente produzindo, compartilhando e curtindo conteúdos.

Haveria, portanto, a possibilidade de, socializando-se os algoritmos, construir uma democracia econômica, superando a economia de mercado. Caberia à política conduzir esse processo.

A democracia liberal precisa ser superada

 A palavra democracia costuma ser definida como "governo do povo". Trata-se de uma situação em que o poder político pertence à população de um local e é exercido em nome de seus interesses comuns.

A primeira discussão que o conceito traz é a forma como esse poder será exercido: diretamente ou por representantes.

A democracia direta é aquela em que o povo delibera sobre as regras de sua sociedade, julga os conflitos e executa os serviços públicos. Nenhuma sociedade com muitos habitantes e um território amplo conseguiu utilizá-la.


O mais comum é a organização de um Estado e a seleção de pessoas para representar o povo, via concurso público ou votação.

Atualmente, o modelo representativo ainda hegemônico é a chamada democracia liberal, cuja representação nos principais postos decorre de eleições periódicas. Além disso, o Estado é dividido em três Poderes e seu funcionamento respeita o princípio da legalidade.

Esse modelo, contudo, revela-se incapaz de resolver graves problemas do presente, como o aumento da pobreza, a concentração de riqueza e a falta de meritocracia econômica.

Essa incapacidade faz surgir líderes que pretendem implementar novos modelos de democracia ou, no extremo, suprimi-la. Também propicia o fortalecimento de instituições externas ao Estado, como as igrejas evangélicas e as redes sociais.

O fortalecimento desses líderes e dessas instituições revela que qualquer tentativa de retorno ao modelo liberal sem uma resolução satisfatória para os três problemas apontados será efêmera e pouco efetiva.

Assim, a busca de amplas coalizões sociais entre beneficiários de direita e de esquerda do atual sistema tende a mobilizar cada vez menos pessoas, soando uma tentativa inócua de autopreservação de vantagens.

As novas forças tecnológicas produzidas pela sociedade digital devem ser incorporadas a um alargamento do processo democrático, superando o estreito conceito de democracia liberal que afasta o povo de uma participação concreta dos processos decisórios que afetam sua vida cotidiana.

Coronéis esclarecidos e jagunços digitais

 Na tradição brasileira, normalmente o "coronel" ocupava as principais posições de mando e mobilizava seus "jagunços" para fazerem o jogo sujo, permanecendo com as mãos limpas e a consciência "branca".

Com o avançar do século XX, muitos coronéis tornaram-se "esclarecidos", saindo das fazendas para os bancos acadêmicos, as presidências das empresas e os órgãos de imprensa.

Aprenderam línguas estrangeiras e beberam da cultura continental europeia e inglesa/norteamericana. Lideraram o país com um vasto umbigo, além de imensa dificuldade para aceitar o próprio povo, visto como inculto e violento, devendo ser educado.

Por isso, mantiveram a parceria com os jagunços, convertidos em assessores, orientandos, seguranças, matadores e milicianos. Enquanto o coronel esclarecido folheava os livros, seus jagunços davam tiros para o alto.

Com o século XXI e o advento da tecnologia digital, em especial das redes sociais, chegaram os novos colonizadores que rapidamente cooptaram os jagunços.

Sem perder a ternura, conservando a pistola e o facão, os jagunços se digitalizaram, levando sua proximidade do povo e seu grito de independência em relação aos velhos senhores para postagens e vitórias eleitorais.

Enquanto isso, os coronéis balançam suas teses sem entender que novos senhores globais vieram para mandar.


Referências e sugestões:

Gabriel Feltran

https://novosestudos.com.br/formas-elementares-da-vida-politica-sobre-o-movimento-totalitario-no-brasil-2013/#gsc.tab=0

https://filosofiapop.com.br/podcast/178-sistema-jagunco-com-gabriel-feltran/

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/03/lula-ainda-nao-despertou-para-a-contrarrevolucao-dos-jaguncos.shtml


A bolha progressista e a crueldade do capitalismo

 A bolha progressista, mesmo composta por grupos diferentes, converge em uma crença econômica: a de que o capitalismo é inevitável e pode organizar uma sociedade.

Enquanto a esquerda reformista considera que o Estado seja essencial para consumar essa organização, a direita democrática tende a demonizá-lo, preconizando seu afastamento do mercado e, até mesmo, das questões sociais.

Do lado da esquerda reformista aparecem os direitos sociais e os serviços públicos universais, enquanto a direita democrática preconiza a privatização e o focalismo. Entre elas, vários grupos intermediários defendendo níveis diferentes de intervencionismo.

Com o fortalecimento do neoliberalismo de esquerda, as diferenças diminuem e a convergência em torno do capitalismo aumenta. 

Essa bolha monopolizou os discursos públicos (político, científico e cultural) e governou países diversos no início do século XXI, estabelecendo seu momento de aparente prosperidade.

O desenvolvimento tecnológico, todavia, tornou a bolha obsoleta e incapaz de lidar com questões como o crescimento da miséria e o aumento da desigualdade. 

Suas respostas, sob o véu da democracia, não controlam mais a crueldade do capitalismo.


Eleições virais

Embora a palavra "viralizar" tenha ganhado os contornos atuais com as redes sociais, o fenômeno é antigo.

Podemos considerar "viral" qualquer conteúdo ou comportamento que seja amplamente divulgado e/ou copiado.

A "viralização" ganha contornos específicos com a disseminação da indústria cultural, convertendo produtos (filmes, séries, músicas) em sucessos num curto período de tempo.


Sua plenitude, contudo, viria com a internet, a consolidação das empresas digitais em nível global (Google-Youtube, Meta-Facebook, Instagram e WhatsApp), permitindo a disseminação em massa quase instantânea.

No contexto eleitoral, a "viralização" torna-se cada vez mais possível em virtude da digitalização dos partidos políticos e das campanhas.

Já apareceu, no Brasil, em eleições para Senador, ao menos desde 2016. Essas eleições têm uma peculiaridade: alta porcentagem de eleitores indecisos até a véspera da votação. São relativamente comuns as situações em que o terceiro colocado beneficia-se da "viralização" e termina como o mais votado.

Tendo-se em vista o equilíbrio entre os candidatos na disputa presidencial de 2022, podemos imaginar que quem "viralizar" na véspera da votação, vencerá.

Os jagunços digitais e a bolha tadicionalista

 A bolha tradicionalista congrega grupos diversos, como olavistas, denominações neopentecostais, forças militares e de segurança privada, neoliberais autoritários.

Neste momento, a maior afinidade entre tais grupos decorre da liderança populista de Jair Bolsonaro. Sua figura congrega os seguidores na missão de vencer a eleição e prosseguir governando o país.

Uma característica comum a parte dos grupos é a visão de que a modernidade é perniciosa, devendo ser rejeitada em bloco (capitalismo, Estado, ciência, escola, vacinação...).


Contraditoriamente, essa bolha que rejeita a modernidade domina com maestria recursos da sociedade contemporânea, como a disseminação de notícias em redes sociais e a articulação de partidos digitais.

Seus soldados mais potentes são personalidades das redes que misturam técnicas de combate dos velhos jagunços ao cálculo matemático e preciso da manipulação de algoritmos.

Graças a essa combinação, conseguem criar um efeito de congregar seguidores numa potência jamais imaginada nem por cangaceiros como Lampião e Corisco.

Aliás, comumente oscilam entre o cangaço e o jaguncismo.

Referências e sugestões:

Gabriel Feltran

https://novosestudos.com.br/formas-elementares-da-vida-politica-sobre-o-movimento-totalitario-no-brasil-2013/#gsc.tab=0

https://filosofiapop.com.br/podcast/178-sistema-jagunco-com-gabriel-feltran/

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/03/lula-ainda-nao-despertou-para-a-contrarrevolucao-dos-jaguncos.shtml



Como se ganha uma eleição - o voto útil

Numa sociedade dividida em duas bolhas eleitorais, ganha a eleição quem produzir o melhor discurso em um duplo sentido:

  1. Desunir a outra bolha;
  2. Unir ou, ao menos, não desunir sua própria bolha.

Nesse sentido, a estratégia da bolha tradicionalista foi perfeitamente executada em nosso primeiro turno. Conseguiu atingir alvos certeiros e produziu ou amplificou falas internas da bolha progressista contrárias ao voto útil.


Vejam bem: a bolha tradicionalista poderia ter produzido, inicialmente, um discurso contrário ao voto útil entre seus membros. Não o fez.

Caso o discurso contrário ao voto útil surgisse a partir de pessoas da bolha tradicionalista, geraria uma reação de desconfiança e de seu fortalecimento na bolha progressista. Não funcionaria.

A partir do momento em que tal discurso foi habilmente implementado na boca de pessoas da bolha progressista, conseguiu dividi-la e inviabilizar a vitória lulista.

Por outro lado, quanto mais a bolha esquerdista se via dividida nesse quesito, mais seu aparato oficial reforçava o discurso do voto útil, de modo espalhafatoso, sem calibrar os destinatários da comunicação.


Com isso, contraditoriamente, ao tentar silenciar os críticos internos ao voto útil, a bolha progressista causou uma dupla reação:

  1. Reforçou a fala de algumas dessas figuras, como Ciro e Simone, ainda que tenha mudado a opinião de outros menos importantes para o processo eleitoral;
  2. Gerou uma reação em cadeia na bolha tradicionalista, quase em nível privado, não detectada pela mídia da bolha progressista, pelo voto útil em Bolsonaro e seus candidatos.

A reação tradicionalista foi pontual e certeira, "viral", levando as eleições ao segundo turno e elegendo vários de seus candidatos.

Orçamento secreto e reeleição

Reportagem do jornal O Globo (06/10/22) revela que, dos 13 deputados que mais receberam fatias do orçamento secreto, 12 foram reeleitos. Isso resulta em uma porcentagem de 92% de reeleição.


Analisando-se os números da Câmara dos Deputados, 81% dos atuais deputados buscaram a reeleição. O índice normal de sucesso foi de 70%. Em outras palavras, de cada 10 deputados que tentaram a reeleição, 7 conseguiram.

Nesse sentido, as salgadas fatias do orçamento secreto ampliaram em 20% as probabilidades de reeleição, desequilibrando o processo democrático.  



Os mitos e suas bolhas eleitorais

Cada uma das bolhas em que se divide a sociedade brasileira hoje, sobretudo do ponto de vista eleitoral, é marcada por contradições internas insanáveis.

A bolha progressista, que congrega os grupos que acreditam no capitalismo liberal (esquerda, centro democrático, direita liberal) é marcada, dentre outras, por uma grande contradição: o papel do Estado na economia.

Já a bolha tradicionalista, que congrega grupos que não valorizam o capitalismo liberal (direita autoritária, centro neoliberal, cristãos conservadores), é dividida, dentre outras, pelo papel da religião na política de Estado.


O líder mítico de uma bolha eleitoral deve cumprir o papel de unificar seus membros, tornando as divisões internas invisíveis ou menos relevantes.

Olhando para o cenário brasileiro de agora, o "mito" Bolsonaro parece mais fortalecido para cumprir esse papel do que o "mito" Lula.

Quando observamos os apoios dos candidatos derrotados, é notória a quantidade de "ressalvas" ou "condições" formuladas pelos novos apoiadores de Lula em relação aos novos apoiadores de Bolsonaro, que aderem quase incondicionalmente a ele.

O erro da estratégia eleitoral progressista

 Por se tratar de uma eleição que transcorre em sociedade dividida, como acontece em várias partes do globo, é preciso ponderar que, muitas vezes, a melhor estratégia pode não ser a mais óbvia.

Nitidamente, a bolha progressista (esquerda, centro esquerda, direita liberal) buscou a estratégia mais óbvia: unir-se em torno de um candidato para a vitória já no primeiro turno.

Melhor estratégia, todavia, usou a bolha tradicionalista (direita autoritária, centro neoliberal, cristãos conservadores): priorizou causar a divisão na outra bolha, elegendo alvos certeiros.


Tendo-se em vista a competência esmagadoramente maior da bolha tradicionalista em utilizar recursos digitais, sua estratégia impediu o sucesso progressista.

Os alvos certeiros começaram a se manifestar, de dentro da bolha progressista, contrariamente à unificação pela vitória no primeiro turno.

Por outro lado, toda a campanha voltada para si da bolha progressista gerou uma reação unificadora na outra bolha, a tradicionalista.

Ou a bolha progressista prioriza gerar divisões na bolha tradicionalista ou perderá as eleições presidenciais.

As duas bolhas e os Institutos de Pesquisa Eleitoral

São dois universos que se dividem e se excluem reciprocamente. Por falta de melhor nome, chamemos o primeiro de Capitalismo Progressista e o segundo de Tradicionalismo Autoritário.

O Capitalismo Progressista é composto pela esquerda reformista, pela direita democrática e por todos aqueles que acreditam no liberalismo político.

O Tradicionalismo Autoritário é composto pela direita extremista, flertando com o fascismo e o nazismo, pelo religioso radicalizado e todos aqueles que buscam um retorno social e cultural ao passado pré-capitalista.



Esses universos fecham-se em bolhas cada vez mais autossuficientes, retroalimentando um círculo comunicacional e ideológico.

Quem vive dentro de um desses universos, além de não entender o outro, tem grande dificuldade até mesmo para enxergá-lo.

Um exemplo disso é a dificuldade de institutos de pesquisa eleitoral de medir o resultado dos pleitos. Essa dificuldade apareceu em eleições norteamericanas e nas eleições brasileiras de 2022. Institutos situados na bolha Capitalista Progressista não detectaram a bolha Tradicional Autoritária.